O dólar seguiu com altas sucessivas e bateu recordes históricos. Com isso, ultrapassou pela primeira vez a marca de R$ 6.
A escalada começou na quarta-feira (27/11), com a reação do mercado ao anúncio iminente do pacote de corte de despesas pelo governo.
Desde então, a cotação da moeda americana passou por uma sucessão de altas após a divulgação do plano, quebrando novos recordes diariamente.
Na sexta-feira (29/11), o dólar superou a marca de R$ 6, alcançando R$ 6,06 na segunda-feira (2/12) e encerrando a terça-feira em R$ 6,07.
Esse nível de cotação não era registrado desde maio de 2020, durante a pandemia de covid-19, quando a moeda chegou a R$ 5,90.
Até o momento, não há sinais de que o dólar vá desacelerar sua valorização.
Será que a cotação acima de R$ 6 veio para ficar? E quais fatores estão impulsionando essa alta?
Economistas e especialistas consultados pela BBC News Brasil apontam que a principal causa está nas medidas econômicas anunciadas recentemente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
Além dos cortes de gastos, o pacote incluiu a isenção do imposto de renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil por mês.
Há questionamentos sobre o custo e o impacto dessa decisão, com interpretações de que ela pode ter motivações políticas.
Outro elemento que contribui para a alta é a incerteza no cenário internacional, especialmente em relação ao futuro governo de Donald Trump, presidente eleito nos Estados Unidos, que prometeu adotar medidas protecionistas.
Embora ainda seja cedo para prever se o câmbio permanecerá nesses níveis no longo prazo, especialistas avaliam que o dólar pode se manter ou até superar esse patamar por algum período.
O anúncio de Haddad e as reações do mercado
Em coletiva na quinta-feira (28/11), o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou medidas para reduzir R$ 327 bilhões em despesas públicas até 2030, sujeitas à aprovação do Congresso. As propostas incluem controle da valorização real do salário mínimo, mudanças no abono salarial e ajustes em benefícios de aposentadorias militares.
O destaque foi a alteração na tabela do imposto de renda a partir de 2026, isentando rendas de até R$ 5 mil mensais (hoje o limite é R$ 2.824). Para compensar o impacto estimado de R$ 35 bilhões, rendas acima de R$ 50 mil mensais pagariam alíquota mínima de 10%.
Haddad reconheceu “ruídos” sobre a proposta, enfatizou que a decisão não será votada ainda este ano, e destacou que a questão requer amplo debate. Ele reforçou que a medida visa maior equidade tributária sem alterar a arrecadação total.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirmou que a reforma do IR depende de equilíbrio fiscal, crescimento econômico e geração de riqueza e descartou sua viabilidade no momento sem essas condições.
O impacto da proposta de isenção no imposto de renda
Especialistas e profissionais do mercado consultados pela BBC News Brasil apontam que um dos fatores para a alta do dólar é a decepção com o pacote econômico apresentado por Haddad.
Isso ocorre tanto pela expectativa de cortes mais significativos quanto pelo anúncio de uma proposta de isenção no imposto de renda.
Segundo Josilmar Cordenonssi, professor de economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), o mercado financeiro demonstra desconfiança em relação à gestão fiscal do governo Lula.
“Para o mercado, o governo não parece comprometido em resolver o problema fiscal”, afirma Cordenonssi.
“Enquanto o governo considera que o mercado é excessivamente exigente e busca lucros com juros altos, o mercado teme que a política fiscal esteja sendo moldada com fins eleitorais e populistas, priorizando cortes de impostos e aumento de transferências para as classes mais pobres, que têm maior peso eleitoral”, explica.
“Essa diferença de perspectivas torna o mercado relutante em aderir às políticas propostas pelo governo.”
Victor Gomes, professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), avalia que o pacote apresenta aspectos “positivos” e “justos”.
“No entanto, em um cenário que exige ajuste fiscal, não é viável combinar isso com medidas de expansão fiscal, ainda mais sem transparência nos detalhes. Isso gera uma enorme frustração nas expectativas”, observa Gomes.
Tiago Sbardelotto, economista da XP, destaca que ainda há muitas incertezas no mercado sobre como será implementada a mudança no IR e preocupação com seus impactos.
“O governo menciona um impacto de R$ 35 bilhões, mas nossas projeções indicam algo entre R$ 40 bilhões e R$ 45 bilhões, podendo ser maior, especialmente dependendo de como será compensado”, alerta Sbardelotto.
“Essas dúvidas devem persistir nos próximos dias, aumentando a volatilidade e pressionando o dólar.”
A amplitude da reforma fiscal
Analistas ouvidos pela reportagem destacaram que o pacote anunciado pelo governo ficou aquém das expectativas, frustrando o mercado.
“Hoje, há muita incerteza na área fiscal. Esse pacote deveria reduzir essas dúvidas e enfrentar os desafios fiscais com respostas mais concretas. O sinal enviado pelo governo foi negativo”, avalia Victor Gomes.
“Com isso, o mercado busca refúgio em ativos mais seguros, muitos deles no exterior.”
Josilmar Cordenonssi, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta que a desconfiança em relação à política fiscal do governo se reflete na oscilação cambial.
“O mercado aguardava há tempos o anúncio de cortes de gastos indispensáveis para equilibrar as contas públicas. No entanto, a dimensão e a qualidade desses cortes, associadas à desoneração, desapontaram”, afirma.
Na visão de Cordenonssi, também faltou um avanço significativo na busca por maior eficiência nos gastos públicos.
“As intenções parecem boas, mas não há medidas concretas nesse sentido”, observa o professor.
“Se a paciência do mercado já era limitada, a falta de resultados mais robustos tem gerado uma reação negativa. O peso das decisões políticas se sobressai, e isso desagrada o mercado.”
Ele ainda sugere que as medidas parecem ser paliativas, adiando soluções estruturais para um mandato futuro.
Para Tiago Sbardelotto, o pacote é “modesto” e pode levar à necessidade de uma nova reforma em dois ou três anos.
“O governo perdeu a chance de realizar um ajuste mais profundo e preservar o arcabouço fiscal”, conclui o economista da XP.
Contexto Externo
A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, em novembro, trouxe expectativas de alta na valorização do dólar.
Entre as propostas de Trump estão a deportação em massa de imigrantes indocumentados, a elevação de tarifas sobre importações e a ampliação de subsídios, ações que podem aumentar a dívida pública americana, gerar inflação e reduzir o comércio global.
No Brasil, esse cenário pode causar impactos negativos de curto prazo, como uma maior valorização do dólar e possíveis quedas nas exportações.
Cordenonssi observa que, mesmo antes do pleito, tanto a economia americana quanto o dólar já apresentavam sinais de fortalecimento, mas as medidas propostas por Trump devem impulsionar ainda mais a moeda no curto prazo.
“Trump pretende reduzir impostos para empresas americanas, o que pode atrair mais investimentos estrangeiros aos Estados Unidos, aumentando o fluxo de capital e fortalecendo o dólar”, explica o professor.
Além disso, ele propõe tarifas sobre produtos importados, inclusive de países parceiros, como Canadá e México, o que pode elevar a inflação. “Há também uma expectativa de aumento na taxa de juros, o que torna o dólar mais atrativo para investidores”, acrescenta.
André Roncaglia, diretor-executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI) e professor licenciado da UnB, destaca a incerteza em torno do novo governo Trump.
Se o Federal Reserve, o Banco Central americano, decidir aumentar as taxas de juros em resposta às políticas de Trump, “o resultado será a atração de capitais de outras partes do mundo, o que coloca países com moedas instáveis sob pressão cambial constante”, conclui Roncaglia.
Dólar a R$ 6 veio para ficar?
Fernando Honorato, economista-chefe do Bradesco, considera improvável que o atual patamar do câmbio se estabeleça como o padrão de longo prazo.
No entanto, ele ressalta que o dólar pode permanecer nos níveis atuais ou até subir ainda mais “até que haja maior clareza sobre a trajetória futura da dívida pública”. Em outras palavras, tudo dependerá de como o governo de Lula lidará com o aumento do endividamento do país.
Diante disso, Honorato aponta que fazer previsões para as próximas semanas é um grande desafio. “Com as incertezas em torno da tramitação do pacote de renda, o mercado tende a continuar muito volátil”, afirma.
Ele também observa que o real está significativamente depreciado, tanto em relação ao seu histórico quanto em comparação a outras moedas de países emergentes.
Já para Roncaglia, do FMI, o real se enquadra na categoria de “moeda-commodity”, sendo amplamente utilizado para especulação nos mercados financeiros e comerciais internacionais. Isso torna a moeda brasileira mais vulnerável a incertezas externas.
Roncaglia avalia que a combinação de fatores como as políticas de Trump, os desafios fiscais do Brasil e o ceticismo global em relação à economia da América Latina “tendem a manter o real desvalorizado enquanto essas incertezas persistirem”.
Josilmar Cordenonssi, do Mackenzie, acrescenta que o controle da inflação pelo Banco Central será um elemento decisivo. “Se o Banco Central for bem-sucedido, o dólar poderá recuar para um patamar mais próximo de R$ 5 no médio prazo”, afirma.
Por outro lado, se a moeda americana ultrapassar os R$ 6, segundo ele, isso indicará que o Banco Central terá dificuldades para conter a inflação, mesmo com o aumento da taxa de juros. “Esse é um cenário preocupante que devemos evitar a todo custo”, alerta.
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