O governo apresentou seu pacote de Reforma do Imposto de Renda, previsto para entrar em vigor em 2026, gerando um clima de cautela no mercado. A proposta inclui o aumento do limite de isenção do imposto para R$ 5 milhões mensais, beneficiando 87% dos trabalhadores brasileiros. Com essa mudança, a massa salarial poderia registrar um aumento permanente entre 0,7% e 1,4%.
Para compensar a redução de arrecadação, o governo planeja aumentar a alíquota efetiva para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês.
Embora a medida seja vista como favorável ao consumo, os analistas do Bradesco BBI alertam que, sem garantia de equilíbrio fiscal, ela pode enfraquecer a moeda, aumentar a inflação, pressionar as taxas de juros e desacelerar o crescimento do PIB.
Essa foi, inclusive, a resposta do mercado após o anúncio de quinta-feira: o dólar encerrou próximo de R$ 6, o Ibovespa recuou 2,40% e os juros futuros subiram, refletindo a ocorrência negativa de agentes financeiros às novas medidas fiscais propostas pelo governo.
Mesmo assim, a princípio, poderiam ser favorecidos, acabaram sendo impactados na última sessão. Por outro lado, as manifestações dos líderes do Senado e da Câmara, demonstrando maior prudência em relação à aprovação das pautas e reforçando o compromisso com a responsabilidade fiscal, desenvolvendo para a valorização dos ativos brasileiros nesta sexta-feira.
O BBI relembra que, em episódios recentes, o Brasil realizou várias transferências de renda para a população (como FGTS, auxílios durante a Covid e dívidas judiciais – “Precatórios”, entre outros).
Segundo o banco, a transferência de renda mais liberada seria a liberação do FGTS em 2017, que injetou R$ 44 bilhões na economia. A equipe de análise macroeconômica do BBI calcula que esse programa impulsionou o consumo em 0,3% e o crescimento do PIB em 0,2% naquele ano. Assim, estima-se que o impacto atual possa ser semelhante àquele período.
Um dos riscos possíveis dessa medida é o aumento da inflação, o que poderia levar a um aumento na taxa de juros. Caso o governo não consiga compensar integralmente os efeitos da medida, isso pode aumentar o prêmio de risco do país, resultando em uma moeda mais desvalorizada, maior inflação e juros mais altos, o que, por sua vez, pode desacelerar a economia.
Veja as análises da reforma do RI por setor:
1. Financeiro
Os analistas do Bradesco BBI e Itaú BBA, duas das maiores instituições financeiras do Brasil, identificaram uma oportunidade promissora para bancos que atendem principalmente clientes de baixa renda. Com o aumento da renda disponível para essa parcela da população, espera-se um crescimento significativo na demanda por produtos e serviços financeiros.
Essa maior capacidade de pagamento deve resultar em uma melhoria na qualidade dos ativos desses bancos, ou seja, menor risco de inadimplência. Além disso, o aumento das transações financeiras, impulsionado pelo maior poder aquisitivo, deve beneficiar as empresas de adquirência, que processam pagamentos com cartão.
No entanto, os analistas ressaltam a necessidade de monitorar de perto a evolução da inflação, pois um aumento excessivo dos preços pode comprometer os ganhos de renda da população e impactar negativamente a economia como um todo.
2. Alimentos e bebidas
A Ambev (ABEV3) deve se beneficiar de um ambiente de consumo mais forte no Brasil, enxerga o Bradesco BBI. O consumo per capita de álcool está intimamente ligado ao crescimento da renda disponível, enquanto as categorias não alcoólicas, que são mais discricionárias, estão ainda mais alavancadas.
“As indústrias de cerveja e refrigerantes do Brasil têm alcançado recordes históricos nos últimos anos, impulsionadas pelas transferências de dinheiro do governo durante a pandemia e pela forte atividade econômica desde então”, avalia Henrique Brustolin, analista do setor do BBI.
3. Varejo e consumo
O aumento da renda mensal recorrente para as classes baixa e média deve favorecer o consumo familiar, beneficiando principalmente empresas voltadas para produtos essenciais, como Assaí (ASAI3), Grupo Mateus (GMAT3) e Carrefour Brasil (CRFB3), além de setores de vestuário e vestuário varejo. Analistas do BBI avaliam que a renda adicional pode aumentar o consumo de itens de alta frequência e, eventualmente,
Entretanto, taxas de juros elevadas podem limitar o impacto positivo, prejudicando empresas com alta alavancagem, como Magazine Luiza (MGLU3) e Casas Bahia (BHIA3). O JPMorgan salienta que o efeito das medidas deve ser mais modesto que o das transferências durante uma pandemia, dado o menor impacto fiscal e a propensão dos consumidores a poupar num cenário de juros altos.
Além disso, a Receita Federal planeja intensificar o escrutínio sobre empresas com alto uso de benefícios fiscais, como Pague Menos (PGMN3) e Magazine Luiza.
4. Saúde e educação
No setor de saúde, o BBI considera provável que a Hapvida (HAPV3) se beneficie de um aumento na renda disponível, dado seu foco nos segmentos de renda média e baixa, além de sua atuação com planos individuais.
Já na área de educação, empresas como Ânima (ANIM3), Cogna (COGN3), Vitru (VTRU3) e Yduqs (YDUQ3) podem ver um crescimento na captação, estimulado por uma maior disponibilidade de renda. Contudo, o analista Márcio Osako ressalta que os elevados níveis de alavancagem dessas companhias podem limitar esses benefícios, especialmente em um cenário de altas taxas de juros.
5. Bens de capital
O aumento da renda disponível pode impulsionar os gastos com viagens, beneficiando empresas de aluguel de carros, como Localiza (RENT3) e Movida (MOVI3), e o setor aéreo, com Azul (AZUL4), Gol (GOLL4) e LatAm Airlines Group.
A desvalorização do real favorece a demanda por destinos domésticos, o que favorece a Azul. No setor rodoviário, empresas como CCR (CCRO3) e Ecorodovias (ECOR3) podem observar aumento no tráfego, enquanto Marcopolo (POMO4) e Embraer (EMBR3) devem ver crescimento nos pedidos de ônibus e jatos regionais.
No entanto, o BBI não espera alta na demanda por eletrodomésticos, já que o setor já teve forte procura na pandemia. Empresas com grande endividamento, como Azul e Gol, tiveram quedas devido ao impacto da reforma do Imposto de Renda.
6. Construção e shoppings
No setor de construção, as empresas voltadas para o público de baixa renda – como Cury (CURY3), Direcional (DIRR3), MRV (MRVE3), Plano & Plano (PLPL3) e Tenda (TEND3) – que atuam no programa “Minha Casa Minha Vida” podem inicialmente se beneficiar com o aumento da acessibilidade à moradia para seus clientes.
No entanto, o impacto será limitado, conforme avalia o analista Bruno Mendonça. É importante também considerar que uma possível alta na taxa de câmbio pode gerar inflação, o que poderia, em um segundo momento, neutralizar os benefícios da maior acessibilidade, sendo esse um risco relevante.
No setor de shoppings, um aumento no consumo das classes de baixa renda pode ser positivo, especialmente para a Allos (ALOS3), que está mais exposta a esse público.
No entanto, a combinação de um cenário de aversão ao risco e a elevação das taxas de juros faz com que analistas, como os do JPMorgan, adotem uma perspectiva mais negativa em relação às ações de shoppings.
7. Materiais básicos
Embora a maior parte das ações cobertas por sua análise se beneficie claramente com a desvalorização contínua do real, o impacto de uma possível revisão para cima de 0,2% nas projeções do PIB para 2026 provavelmente será insignificante em termos de lucro para esse ano, mesmo para empresas voltadas ao consumo, como Klabin (KLBN11) e Dexco (DXCO3), conforme avalia o analista Rafael Barcellos.
8. Petróleo e gás
No setor de petróleo e gás, a distribuição de combustíveis é a área mais sensível ao PIB do Brasil, pois um crescimento econômico mais forte tende a resultar em maior consumo de combustíveis.
Além do aumento nos volumes, uma demanda mais elevada pode contribuir para o fortalecimento das margens, já que a competição por participação de mercado pode diminuir.
De acordo com o analista Vicente Falanga, para cada R$ 10/m³ de incremento na margem Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações sobre a receita), o preço-alvo para a Vibra (VBBR3) aumentaria 8%, enquanto o preço-alvo para a Ultrapar (UGPA3) subiria 5%.
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