Quanto Vale o Show? A evolução da indústria musical

“Diz que antes da palavra veio o verbo, não diz? Não, antes do verbo veio a música. O verbo só veio com o homem. Antes do mundo ser criado… tudo era uma grande sinfonia, os mares, os ventos, o crepitar das chamas.” A provocação de Mateus Aleluia nos leva a refletir sobre a origem da música. Para ele, “a palavra veio para o homem falar sobre a beleza da natureza”, um pensamento digno de um Tincoã.

Show - Mateus Aleluia, cantor e pesquisador de música pan-africana.
Mateus Aleluia Lima é cantor, compositor e pesquisador da ancestralidade musical pan-africana do Brasil | Foto: Reprodução/Divulgação/Paola Alfamar

Já o filósofo e teórico Marshall McLuhan nos apresenta outra tese: “o meio é a mensagem”. Ele argumenta que a forma de comunicação utilizada impacta a maneira como a mensagem é compreendida, inclusive mais do que o conteúdo em si.

Nesta coluna, “Quanto Vale o Show?”, vamos abordar a evolução da música a partir do dinamismo tecnológico com agentes dessa indústria que anualmente fatura bilhões. Desde seu surgimento, a indústria musical passou por cenários apocalípticos e o incerto está posto para mudar o jogo há pelo menos um século.

Show - Marshall McLuhan, teórico da comunicação e sua teoria sobre mídia.
Herbert Marshall McLuhan foi um educador, intelectual, filósofo e teórico da comunicação canadense, conhecido por prever a Internet quase três décadas antes de sua invenção | Foto: Reprodução/Divulgação

Existe uma data de surgimento da música?

No século XIX, a música servia como diversão apenas para a burguesia. Com a urbanização, surgem as rádios, que inicialmente transmitiam notícias e depois passaram a tocar músicas. A falta de gravações levou a apresentações ao vivo nas rádios e ao surgimento dos “publishers”, as editoras.

Nos anos 1920, surgem “labels” e as rádios popularizaram-se como vitrines para artistas exporem seu trabalho. A música pop adota um formato popular: estrofe, refrão, estrofe, ponte e refrão. Durante as quatro décadas seguintes, a música vai integrando espetáculos teatrais, radionovelas e chega aos programas da TV moldando-se aos formatos de programas de auditório e dramaturgia. 

Show - Transmissão na Rádio Nacional, ícone da música no Brasil.
No dia 12 de setembro de 1936, entrava no ar a Rádio Nacional | Foto:Reprodução/Divulgação/Rádio Nacional

Nos anos 1970, a popularização dos toca-discos e artistas, selos e gravadores passaram a investir nos álbuns. Aparecem também os A&R, Diretoria Musical, Produtores Musicais e outras funções ligadas à comercialização e circulação da música.

A MTV (sigla de Music Television, canal de televisão norte-americano), lançada em 1981, revoluciona a indústria com o videoclipe. A indústria dá uma guinada sentido à produção audiovisual. No Brasil, a MTV chega em 1990 e causa estranhamento por sua programação majoritariamente preenchida por esse formato.

O Fantástico da Rede Globo já era conhecido por frequentemente apresentar os vídeos-musicais, mas é o canal de música que fomenta o mercado e integra a música aos níveis comerciais e publicitários que normalizamos hoje.

As tecnologias transformam o mercado

O CD, inventado em 1972, chega ao Brasil em 1987 com capacidade de 80 minutos de armazenamento. O item impulsionou os cursos de engenharia de som e mixagem e as lojas especializadas, como as que aos poucos atualmente vão abandonando a Galeria do Rock, em São Paulo.

Show - Lojas de discos e a nostalgia da música em vinil.
As lojas de discos ofereciam uma viagem nostálgica ao passado, preservando álbuns clássicos e raridades que marcaram gerações | Foto: Reprodução/Divulgação/Milena Abreu

Outra mudança ocorreu com as gravadoras: até os anos 1990, elas eram especializadas em estilos determinados. A Motown Records, a Trojan Records e Columbia Records que eram especializadas em gêneros e tinham artistas de musicalidade similares. A partir da massificação da produção musical, as gravadoras começam a lançar cada um a sua “boy-band” com vocalistas brancos e loiros e olhos claros ou “hit do carnaval”.

A popularização dos meios digitais, combinada com políticas públicas de impulsionamento ao crédito e compra, o CD-R permite “queimar músicas” e desde então cada pessoa pode se tornar seu próprio DJ. Se essa é a causa, a consequência direta é a pirataria e o mercado musical é transformado por esse fenômeno.

CDs, DVD’s e Bootlegs (gravações de um espetáculo lançadas sem a autorização dos titulares dos direitos) movimentam fábricas, gráficas e uma grande massa de trabalhadoras e trabalhadores informais da apocalíptica indústria da música. 25 bilhões de dólares foram comercializados em 1999, mas as vendas caem ano a ano desde então. O mercado é transformado pelo fenômeno digital.

Nos anos 2000, a internet entra efetivamente no jogo com os serviços de música Napster, Apple Music e Pandora. Cada uma a seu modo, essas plataformas se colocam a favor dos usuários e contra a hegemonia das gravadoras. O YouTube permite a exposição de vídeos que até então só chegavam ao grande público através das gravadoras.

A democratização não é plena, mas há movimentos de concentração por grandes players do mercado. Há artistas independentes lançando discos gravados em garagem, concorrendo e ganhando o Grammy como Billie Eilish. A MTG é um movimento que permite recontar a música, não remixá-la e recolocá-la em uma parada de sucesso anos após seu lançamento, como é o caso da MTG Quem Não Quer Sou Eu, sucesso de Seu Jorge “montado” pelo DJ Topo.

Show - Sucesso da faixa montada de Seu Jorge no Top 50 Brasil do Spotify.
Faixa montada com música de Seu Jorge alcançou o primeiro lugar no Top 50 Brasil do Spotify e já soma mais de 8 milhões de visualizações no YouTube | Foto: Reprodução/Divulgação

As métricas das plataformas de streaming norteiam os artistas a modelar suas músicas novamente. Se o play é contabilizado a partir dos 30 segundos, uma faixa como In My Eyes do Minor Threat (17 segundos) remunera o mesmo valor que Faroeste Caboclo da Legião Urbana (11 minutos). Por que fazer um rap como A Fórmula Mágica da Paz? O single se popularizou, pois um álbum de 10 faixas aparece uma única vez, enquanto a possibilidade de alcance lançando uma música por semana é muito maior. Isso ocorre porque “o meio é a mensagem”.

A pandemia da COVID-19 mostrou a necessidade de adaptação do mercado musical. Lives substituíram os shows como medida de possível contato com os artistas favoritos. Equipes de logística, buffet, iluminação que antes promoviam eventos agora se concentram em casas de shows recebendo equipes artísticas. A & R, Engenheiros de Som, Produtores de Casting, Diretoria de Eventos, Filmmakers, Selos, podcasts – dezenas de profissões que movem sentimentos e sonhos.

Vale-se perguntar: quanto vale o show?

Você, leitor, responderá a partir de suas considerações dessa coluna com entrevistados atentos ao movimento da indústria musical e que trabalham decifrando o saber ancestral do Tincoã. Bibliografias, vivências de estradas e reflexões permeiam suas histórias e seus amores pela música, cientes que a música vem antes da palavra, pois está a música nas ondas do mar, no sopro do vento, no crepitar do fogo e nas batidas presente no coração através da música, como ensina a sabedoria ancestral.

Sejam bem-vindos e bem-vindas à coluna: “Quanto Vale o Show?”

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