O tabuleiro geopolítico está em meio a uma grande turbulência, e hegemonias de décadas estão sendo contestadas. Diante desse movimento, a África do Sul vem se tornando um personagem cada vez mais influente.
Quando estive no país, percebi um sentimento generalizado de esperança, pois o aumento da presença política internacional ocorre em meio ao aquecimento da economia interna. Isso tem atraído visitantes e investidores para o país, que, aliás, será sede da cúpula do G20 em 2025.
E tudo isso acontece em um momento de grandes mudanças na política internacional: o retorno de Donald Trump ao poder (e todo o impacto que ele exerce em outros países e órgãos internacionais), a ascensão da extrema-direita na Europa, a nova “corrida espacial” envolvendo inteligência artificial, a crise migratória e, claro, a expansão do Sul Global representada pelo Brics.
O grupo nasceu formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, mas, nos últimos anos, mais países passaram a integrá-lo. Com o grupo, a África do Sul tem sido parte de uma mudança de paradigmas.
Transformações na África do Sul
Para quem mora no país, tem sido interessante acompanhar essas transformações. Quando estive na Cidade do Cabo, conversei com Naufal Esao, coordenador acadêmico de uma escola de inglês. Ele nasceu na cidade, mas morou por anos no Egito e na Arábia Saudita antes de retornar à sua terra natal em 2023.
Naufal disse que foram exatamente essas oportunidades que o fizeram voltar para casa. “Quando cheguei, passei um tempo trabalhando em um negócio familiar, mas logo consegui um emprego em tempo integral, algo que antes não se via acontecer.”
O coordenador acadêmico me contou que vê essas mudanças como um sinal de progresso na Cidade do Cabo e no país, o que, em última análise, impulsiona todo o continente. “Vejo a África como uma joia bruta”, afirma Naufal. “E, com a presidência do G20, sinto que a África do Sul deu um passo à frente nesse jogo. Acredito que estamos no caminho certo e que passamos a ser mais reconhecidos agora do que em outros momentos”, concluiu, demonstrando a esperança típica dos sul-africanos.
Já contei em outras colunas do Sem Fronteiras que o povo da Cidade do Cabo é chamado de “povo da esperança” por conta do Cabo da Boa Esperança, um dos principais cartões-postais da cidade. Mas o título se encaixa perfeitamente na forma como os habitantes locais enxergam a vida.
O próprio presidente do G20, Cyril Ramaphosa, fez jus ao título de “povo da esperança” em seu discurso de posse no grupo, que representa 85% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial. “A presidência sul-africana no G20 chega em um momento em que o mundo enfrenta desafios severos”, declarou no dia 3 de dezembro de 2024, em um prédio de Cape Town (Cidade do Cabo, em português).
Cyril afirmou que as mudanças climáticas, a fome, o desemprego, a desigualdade e a pobreza são grandes obstáculos ao desenvolvimento mundial, além da instabilidade geopolítica e das guerras. Ressaltou que “isso ocorre em um momento de grandes transformações tecnológicas, que representam tanto oportunidades quanto riscos”.
Era 1990 quando Nelson Mandela saiu da prisão, após 27 anos detido, e fez seu discurso mais famoso em frente à praça da prefeitura da Cidade do Cabo. Até hoje, uma estátua retrata esse momento. Três anos depois, ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz por sua contribuição para o fim do Apartheid.
Muitas coisas mudaram no mundo e na África do Sul desde aquele discurso, mas agora, mais uma vez, um presidente sul-africano ganha espaço para projetar sua voz internacionalmente. Sem querer comparar as duas figuras, é claro — pois a história e o legado de Mandela são únicos —, Ramaphosa está no foco e se mostrou disposto a recolocar o país na vanguarda da luta por uma sociedade mais justa, democrática e igualitária. “Por meio da presidência do G20, vamos trabalhar para construir uma África melhor e um mundo melhor, garantindo que ninguém fique para trás”, disse ao encerrar seu pronunciamento.
“Passamos por dificuldades como nação, mas agora estamos avançando em direção a um futuro melhor”, me respondeu Naufal quando perguntei sobre as expectativas para o país. “Acredito e espero poder testemunhar este país florescer. Nossos antepassados lutaram por isso, pela nossa liberdade, então gostaria de ver o melhor para a próxima geração”, concluiu. Do alto do palanque, Cyril Ramaphosa demonstrou acreditar no mesmo objetivo.
“Solidariedade, igualdade e sustentabilidade” é o lema do novo mandato do G20, que começa com um olhar voltado para o futuro. E, assim como Mandela disse em seu discurso mais famoso, a busca por “uma sociedade livre e democrática, com oportunidades iguais para todos” volta a ser prioridade — e a África do Sul, mais uma vez, torna-se referência para o mundo.