A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, informou nesta quinta-feira (5/12) sua chegada ao Uruguai, onde ocorre a Cúpula de Líderes do Mercosul. O evento alimenta as expectativas de que o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) possa ser finalizado.
“Chegamos à América Latina. A linha de chegada para o acordo UE-Mercosul está próxima. Vamos trabalhar para cruzá-la. Temos a chance de criar um mercado de 700 milhões de pessoas”, escreveu a líder da UE na plataforma X.
Von der Leyen destacou ainda que o acordo representa “a maior parceria comercial e de investimentos já vista no mundo”: “Ambas as regiões sairão ganhando”.
Horas depois, o governo da França reafirmou sua resistência ao pacto por meio de uma publicação na mesma rede social, argumentando que o acordo “é inaceitável em sua forma atual”. O presidente Emmanuel Macron teria reiterado essa posição à chefe da Comissão Europeia.
“Defenderemos nossa soberania agrícola sem descanso”, declarou o governo francês, enfatizando que, para eles, o tratado representa uma ameaça à agricultura do país.
Em função disso, Macron tem articulado uma aliança para bloquear o acordo durante as deliberações no Parlamento dos países da UE, buscando impedir sua ratificação mesmo que seja assinado pela Comissão Europeia, o órgão executivo da UE.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apoia o acordo e está liderando no Uruguai a última reunião da cúpula do Mercosul sob a presidência brasileira, que será transferida para a Argentina, governada por Javier Milei.
A assinatura do tratado encerraria um processo de negociação que se arrasta há 25 anos.
No entanto, não é a primeira vez que se cria expectativa sobre o fechamento do acordo. Algo semelhante ocorreu na Cúpula do Mercosul de 2023, no Rio de Janeiro, mas sem resultados concretos, gerando frustração no governo brasileiro.
Durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL), o então ministro da Economia, Paulo Guedes, também chegou a afirmar que o acordo estava próximo de ser concluído, mas isso não se concretizou.
Otimismo no Brasil, resistência na França
Neste ano, o governo e a diplomacia do Brasil reforçaram seu otimismo.
“Minha intenção é assinar esse acordo ainda este ano”, afirmou Lula em um evento na semana passada.
Maurício Lyrio, principal negociador do Ministério das Relações Exteriores (MRE) para o acordo, destacou que o governo está confiante. “Enxergamos de forma positiva o andamento das negociações”, disse ele.
Segundo o governo brasileiro, os negociadores de ambos os blocos concluíram os ajustes no texto, e as questões finais foram encaminhadas aos líderes do Mercosul e da União Europeia.
Na prática, isso indica que a decisão sobre a conclusão do acordo agora depende da vontade política dos dois blocos.
No entanto, o otimismo brasileiro contrasta novamente com a oposição de um influente membro da União Europeia: a França.
Há anos, o país tenta impedir o avanço do acordo, e em 2024, o presidente Macron fez declarações reiterando sua posição contrária.
“A França é contra esse acordo”, afirmou Macron em novembro, durante uma visita oficial a Buenos Aires.
A resistência francesa é motivada principalmente pela pressão de agricultores locais, que temem a concorrência dos produtos do Mercosul, especialmente carne proveniente de Brasil, Argentina e Uruguai.
Embora seja a segunda maior economia da União Europeia, atrás apenas da Alemanha, a França não possui poder técnico para bloquear sozinha o avanço do acordo negociado pela Comissão Europeia.
“Se os franceses não quiserem o acordo, eles não têm mais voz. Quem decide é a Comissão Europeia”, comentou Lula na semana passada.
Por isso, a França tem adotado nos últimos meses uma estratégia para tentar frear as negociações.
Minoria qualificada: a estratégia de Macron
A França busca barrar o acordo entre União Europeia e Mercosul formando uma “minoria qualificada” no Conselho da União Europeia. Esse mecanismo exige que quatro países, representando mais de 35% da população do bloco, se oponham ao acordo. Com o apoio da Polônia (104 milhões de habitantes somados), a França precisa de mais três países para atingir os 156 milhões necessários.
Embora a Comissão Europeia, liderada por Ursula von der Leyen, apoie o acordo, sua aprovação final depende do Conselho da União Europeia, onde são necessários 15 países (55%) representando 65% da população. Se a França garantir apoio suficiente, a Comissão enfrentará dificuldades para avançar com o texto, que ainda precisará ser ratificado pelo Parlamento Europeu e pelos parlamentos do Mercosul.
O protecionismo francês
Especialistas consultados pela BBC News Brasil apontam que a oposição da França ao acordo é impulsionada pela pressão de seu setor agrícola, que teme a concorrência do Brasil, um grande exportador agropecuário. Esse lobby tem sido liderado pelo presidente Emmanuel Macron, que enfrenta desafios internos, como uma crise política após um voto de desconfiança em seu governo.
Grandes associações do agronegócio francês alegam que o tratado poderia prejudicar empregos e permitir a entrada de produtos que não seguem os padrões ambientais e sanitários europeus. Apesar disso, analistas acreditam que a França terá dificuldades para barrar o acordo sozinha, embora tente formar alianças com outros países.
A professora Regiane Bressan avalia que, embora a resistência continue, a assinatura do tratado é provável, dado o curto prazo até a Cúpula do Mercosul.
Impacto de Trump
Os analistas apontam que, apesar da resistência francesa, um fator adicional pode facilitar o avanço nas negociações do acordo entre o Mercosul e a União Europeia: a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos.
De acordo com especialistas, a intenção de Trump em importar tarifas sobre produtos estrangeiros pode estimular uma cooperação mais próxima entre sul-americanos e europeus para lidar com um possível aumento do protecionismo norte-americano.
“É relevante destacar que a primeira assinatura do acordo, em 2019, foi influenciada pela eleição de Trump. Agora, há chances de que este novo mandato crie uma oportunidade para avançar no tratado de livre comércio”, avaliou Cairo Junqueira.
Para Regiane Bressan, os países europeus que apoiam o acordo, liderados por Alemanha e Espanha, veem o tratado com o Mercosul como uma iniciativa estratégica frente às incertezas geopolíticas atuais.
“Esses países estão preocupados com o impacto de Trump e com o aumento da influência de nações como China e Rússia na América do Sul. No caso da Alemanha, o acordo é uma maneira de fortalecer ou preservar a presença europeia na região, em um cenário de crescente protagonismo chinês e russo”, afirmou.
Duas décadas de tratativas
As negociações para o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia começaram em 1999, visando reduzir ou eliminar tarifas de importação entre os blocos. Em 2019, o acordo foi assinado no governo Bolsonaro (PL), mas dependia de revisão técnica e aprovação parlamentar.
Após quatro anos parado, as tratativas foram retomadas com a posse de Lula (PT), mas avançam lentamente devido a questões ambientais e resistências, como do agronegócio francês. Apesar de próximo de uma conclusão em 2023, o acordo ainda não foi formalizado. Estudos indicam que ele pode aumentar o PIB brasileiro e impulsionar investimentos e comércio exterior.
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