Um levantamento inédito divulgado nesta quarta-feira (14) pela Campanha Nacional Despejo Zero revelou que mais de 1,5 milhão de brasileiros foram afetados por despejos ou remoções forçadas entre outubro de 2022 e julho de 2024. Esse número representa um aumento de 70% em comparação com outubro de 2022, quando 898.916 pessoas enfrentavam essa situação.
A crise de despejos no Brasil
O levantamento, realizado de forma coletiva por 175 organizações que compõem a Campanha Despejo Zero, mapeia casos de remoção forçada em todo o país, abrangendo tanto processos judiciais quanto administrativos promovidos pelo poder público.
Raquel Ludermir, gerente de Incidência Política da organização Habitat para a Humanidade Brasil, atribui o aumento expressivo ao término da suspensão de despejos decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) durante a pandemia de covid-19. A medida, que impediu despejos e reintegrações de posse de famílias vulneráveis até o final de outubro de 2022, havia represado diversos casos que voltaram a tramitar a partir de então.
Além disso, o elevado custo de vida, exacerbado pela pandemia, tem contribuído para o aumento das ocupações irregulares. Muitas famílias, já em situação de vulnerabilidade, recorrem a ocupações urbanas como última alternativa diante da dificuldade de arcar com despesas básicas, como alimentação e aluguel.
Perfil das vítimas e impactos sociais
O levantamento aponta que a crise habitacional brasileira é marcada por profundas desigualdades de classe, gênero e raça. Entre os afetados, 66,3% são pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, 62,6% são mulheres, e 74,5% ganham até dois salários mínimos. Além disso, cerca de 267 mil das vítimas são crianças e mais de 262 mil são pessoas idosas.
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Raquel Ludermir ressalta que esses dados expõem uma dívida histórica do país em relação à moradia para populações marginalizadas, especialmente negras e chefiadas por mulheres. Embora a moradia seja um direito constitucional, o Brasil ainda enfrenta um déficit habitacional de pelo menos 6 milhões de pessoas, além de 26 milhões vivendo em condições inadequadas.
Regiões mais afetadas e causas das remoções
São Paulo lidera o ranking das regiões mais afetadas, com 90.015 famílias ameaçadas e 9.508 já despejadas. Pernambuco e Amazonas também figuram entre os estados com maior número de famílias impactadas.
As remoções forçadas são motivadas principalmente por reintegrações de posse, onde há conflito entre os supostos proprietários e as famílias ocupantes. Grandes obras públicas, como projetos de transporte e infraestrutura, também contribuem para o problema.
Raquel Ludermir alerta para os possíveis impactos negativos das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), destacando a necessidade de que essas iniciativas não agravem o déficit habitacional.
Soluções e caminhos para o futuro
Para mitigar a crise, Raquel defende a criação de uma política nacional de mediação de conflitos fundiários, com esforço interministerial para resolver o problema de forma eficaz. Ela também destaca a importância de se implementar medidas como a Resolução 510 de 2003 do Conselho Nacional de Justiça, que prevê a necessidade de mediação desses conflitos com visitas in loco por parte dos juízes.
Além disso, é urgente que se interrompam propostas legislativas que visam punir ainda mais as populações vulnerabilizadas, como a tentativa de excluir famílias ocupantes de programas sociais essenciais. Raquel enfatiza que essas medidas não só agravam a situação das famílias, mas também reforçam a marginalização e a exclusão social.
A crise de remoções forçadas no Brasil é uma questão complexa que exige ações coordenadas e sensíveis à realidade das populações mais vulneráveis. O levantamento da Campanha Despejo Zero lança luz sobre um problema urgente que demanda atenção imediata das autoridades e da sociedade.