Mercado de carbono no Brasil: desafios e perspectivas

O Brasil deu um passo importante ao aprovar o Projeto de Lei que regulamenta o mercado de carbono. O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), considerado um marco nas políticas climáticas do país, tem o potencial de colocar o Brasil em destaque no cenário global.

Atualmente, existem 36 Sistemas de Comércio de Emissões (ETS) no mundo, que movimentaram 12,5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (CO2e) em 2023 e geraram transações superiores a 900 bilhões de dólares.

Ilustração representando desafios na regulamentação do mercado de carbono no Brasil.
Saiba como a ausência de regulação clara impacta o mercado de carbono e o potencial econômico do Brasil |Foto: Reprodução/Envato

A regulamentação do mercado de carbono é uma ferramenta crucial para o Brasil alcançar as metas estabelecidas na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), no âmbito do Acordo de Paris. O compromisso do país é reduzir 67% das emissões de gases de efeito estufa até 2035, em relação aos níveis de 2005. A criação do SBCE pode ser um mecanismo chave para atingir esse objetivo.

O sistema deve incluir, inicialmente, cerca de 30% das emissões dos setores de indústria e energia, o que equivale a aproximadamente 6% das emissões totais do Brasil. Com base nesse volume, o mercado pode movimentar de 20 a 80 milhões de toneladas de CO2e por ano, dependendo das definições que ainda serão estabelecidas na regulamentação.

Além disso, o SBCE não se limita a regular os setores industriais e de energia. Ele também permite a integração com o mercado voluntário de carbono, predominantemente ligado ao setor florestal. Essa interoperabilidade estimula reduções e remoções de emissões em outros setores, ampliando o impacto positivo do sistema.

Essa integração é particularmente relevante porque, segundo um estudo da McKinsey, o Brasil tem potencial para gerar até 100 bilhões de dólares em oportunidades no mercado de carbono até 2030. Parte significativa desses recursos poderia ser direcionada para melhorar as condições socioambientais nas regiões mais vulneráveis do país.

Embora a aprovação do Projeto de Lei do Mercado de Carbono seja um marco, ainda há pontos que precisam ser aprimorados. O texto atual carece de maior clareza técnica em algumas áreas, que poderão ser ajustadas por regulamentações futuras ou mudanças legislativas.

Problemas estruturais e pontos de atenção

Apesar dos avanços, o texto da lei ainda enfrenta desafios que afetam sua aplicabilidade prática. Abaixo, destacam-se alguns desses pontos, sem a intenção de esgotar o tema:

1. Definições inadequadas:

o projeto de lei apresenta conceitos importantes, mas alguns carecem de maior precisão técnica. Por exemplo, créditos de carbono florestais são classificados como “frutos civis”, que representam rendimentos periódicos sem esgotar o recurso original.

No entanto, essa definição não considera a complexidade econômica e metodológica dos créditos, tornando a classificação imprecisa.

2. Conselho Nacional de Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal (CONAREDD+):

O projeto atribui ao CONAREDD+ a gestão do registro nacional de programas estaduais, jurisdicionais e créditos de carbono. Contudo, o conselho não possui personalidade jurídica, infraestrutura ou equipe capacitada para lidar com as demandas do mercado. É necessário esclarecer como essa lacuna será solucionada para viabilizar o funcionamento do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).

3. Regulação do consentimento livre, prévio e informado (CLPI):

Embora a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil, já estabeleça normas legais sobre CLPI, faltam parâmetros técnicos para sua aplicação em projetos de carbono no país. Uma regulamentação específica seria útil, especialmente porque muitos territórios coletivos não possuem protocolos de consulta ou planos de gestão territorial.

4. Cobertura de vegetação nativa e distribuição de benefícios:

O projeto prevê que proprietários ou usufrutuários privados sejam beneficiários de programas jurisdicionais com base na vegetação nativa de suas áreas, incluindo reservas legais e áreas de preservação permanente.

No entanto, isso requer definições mais técnicas, dados atualizados e uma regulamentação clara. O texto sugere que até áreas ambientalmente irregulares podem ser incluídas se tiverem vegetação nativa, o que demanda mais critérios. Além disso, a definição de propriedade e usufruto esbarra na complexidade do sistema fundiário brasileiro, onde a matrícula do imóvel nem sempre garante domínio sobre a área.

5. Regulação fundiária e prevenção à grilagem:

A ausência de normas claras sobre a titularidade das terras e a documentação necessária pode abrir brechas para que o sistema de registro do SBCE seja usado de forma inadequada, legitimando áreas griladas. Isso compromete a segurança jurídica dos projetos e pode afastar investidores interessados em iniciativas sustentáveis.

Os impactos das implementação

A implementação eficiente do SBCE tem o potencial de gerar impactos significativos na economia e no meio ambiente. Um mercado bem estruturado pode movimentar bilhões de dólares anualmente, funcionando como uma plataforma eficaz para a negociação de créditos de carbono e permissões de emissão. Entretanto, a ausência de uma base legal técnica robusta pode dificultar sua adoção, reduzindo o interesse de investidores e prejudicando a posição do Brasil no mercado global de carbono.

De acordo com a UNEP, um sistema de comércio de emissões bem gerido pode diminuir os custos de cumprimento das metas de emissões, além de impulsionar investimentos em tecnologias limpas e criar empregos em áreas como energia renovável, reflorestamento e eficiência energética.

Portanto, corrigir problemas técnicos e operacionais é crucial não apenas para alcançar melhores resultados ambientais, mas também para assegurar a competitividade econômica no longo prazo.

O mercado de carbono brasileiro possui um grande potencial para transformar setores específicos da economia e posicionar o país como um líder global em questões climáticas. No entanto, para que esse potencial se realize, é indispensável resolver os desafios técnicos e legais existentes.

Isso requer investimentos em capacitação, regulamentações claras e infraestrutura adequada, elementos essenciais para garantir a credibilidade do sistema e atrair investidores. Com as melhorias necessárias, o Brasil pode transformar esse desafio em uma oportunidade de liderança global e desenvolvimento sustentável.

Leia também: COP29 impulsiona mercado global de créditos de carbono

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