O debate sobre o aumento do Bolsa Família e suas consequências para o mercado de trabalho ganhou destaque recentemente, após um discurso do presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, em Jackson Hole, Wyoming, durante um encontro de líderes econômicos globais.
Campos Neto trouxe à tona uma discussão que há meses vem sendo abordada discretamente por economistas e empresários: o impacto da expansão do Bolsa Família na participação da força de trabalho.
Expansão do Bolsa Família e suas implicações
Nos últimos anos, o Bolsa Família passou por uma expansão significativa, tanto em número de beneficiários quanto no valor do benefício. Atualmente, o programa social beneficia cerca de 54,5 milhões de pessoas, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social. Esse crescimento é evidente quando comparado aos números de março de 2020, quando 40 milhões de pessoas eram atendidas pelo programa. O aumento de quase 15 milhões de beneficiários representa uma alta de 36% no período.
O valor mínimo do benefício também sofreu uma alteração substancial. Antes da pandemia, o valor era de R$ 89, com adicionais para crianças e adolescentes. Atualmente, o valor mínimo é de R$ 600, com um adicional de R$ 150 para crianças de até seis anos. Esse aumento foi uma das medidas adotadas pelo governo para combater os efeitos econômicos da pandemia de Covid-19. No entanto, essa elevação de 574% no valor do benefício desde a pandemia levanta preocupações entre alguns economistas sobre os possíveis desincentivos à busca por emprego.
Impacto na força de trabalho
Uma das principais preocupações levantadas por Campos Neto e por outros economistas é a relação entre a expansão do Bolsa Família e a diminuição do interesse em procurar emprego. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o número de pessoas fora da força de trabalho, ou seja, aquelas que não estão ativamente procurando emprego, aumentou consideravelmente durante a pandemia e não retornou aos níveis pré-pandêmicos.
Antes da crise sanitária, o Brasil contava com cerca de 60 milhões de pessoas fora da força de trabalho. Esse número subiu para 75 milhões no auge da pandemia e, atualmente, está em torno de 66 milhões.
Muitos economistas sugerem que parte desse contingente pode ter optado por não retornar ao mercado de trabalho devido ao valor do benefício social, que atualmente equivale a quase metade do salário-mínimo. A percepção é de que, para algumas pessoas, o recebimento do Bolsa Família pode ser suficiente para atender suas necessidades básicas, reduzindo assim a motivação para buscar um emprego formal.
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Reações e desdobramentos
A fala de Campos Neto em Jackson Hole reacendeu um debate que já vinha sendo discutido entre empresários e economistas brasileiros. Para muitos, a expansão do Bolsa Família é inquestionavelmente importante para garantir dignidade econômica e social às camadas mais vulneráveis da população. Contudo, o impacto do programa na dinâmica do mercado de trabalho é um tema que precisa ser analisado com cuidado.
Além disso, a recente redução no número de beneficiários do programa, que diminuiu em 1,26 milhão desde janeiro de 2023, pode ser um indicativo de um possível “pente-fino” prometido pela equipe econômica do governo Lula. Essa diminuição, entretanto, não é suficiente para acalmar as preocupações de que o Bolsa Família possa estar contribuindo para um desinteresse em procurar emprego.
O debate sobre o Bolsa Família e seu impacto no mercado de trabalho está longe de ser resolvido. Com a economia brasileira ainda enfrentando desafios pós-pandemia, o equilíbrio entre a assistência social e o estímulo ao trabalho será um tema central nas discussões econômicas dos próximos anos. A questão é: como continuar garantindo dignidade para os mais pobres sem desestimular a busca por emprego? Esse é um dilema que governo, economistas e sociedade precisam enfrentar juntos.