Impasse diplomático desafia avanços em pautas globais no G20
Diplomatas brasileiros observam que a Argentina está em posição isolada em relação a outros países do G20. Desde o início das reuniões no Rio de Janeiro, o país tem apresentado resistência a temas centrais, como igualdade de gênero, o que tem dificultado as negociações para a declaração final do evento.
A postura argentina reflete as ideias do novo presidente, Javier Milei, recentemente eleito. Suas visões ideológicas, marcadas por discordâncias em temas sociais e econômicos, têm atrasado avanços importantes no grupo. “As ideias de Milei dificultam o consenso, mas nosso objetivo é ajustar o texto para manter o grupo unido”, afirmou um diplomata que acompanha as negociações.
Divergências em temas sensíveis
O principal ponto de conflito está na inclusão de pautas sobre igualdade de gênero. Durante os debates, a delegação argentina rejeitou qualquer referência ao tema, bloqueando progressos em áreas prioritárias para a presidência brasileira. Essa oposição, no entanto, não é uma novidade, pois o país já havia se posicionado contra iniciativas semelhantes em outros momentos.
No Grupo de Trabalho de Empoderamento Feminino, por exemplo, a Argentina foi contra a aprovação de uma declaração ministerial. Como resposta, o Brasil divulgou um documento separado, destacando que todos os outros países apoiaram os termos propostos, enquanto a Argentina foi a única a discordar.
Outro episódio ocorreu no Grupo de Cultura, em que a Argentina questionou parágrafos que relacionavam cultura aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e à necessidade de maior investimento público no setor. Para contornar o problema, os negociadores brasileiros incluíram notas de rodapé na declaração. Apesar de amenizar o impasse, essa solução não é a ideal para o documento final da cúpula.
Resistência à taxação dos super-ricos
Outro ponto de desacordo envolve a proposta de taxar os super-ricos, defendida pelo ministro da Fazenda do Brasil, Fernando Haddad. A ideia busca reafirmar o compromisso do G20 com uma tributação mais justa, incluindo grandes fortunas.
Embora a proposta tenha sido celebrada no Brasil, a Argentina agora se posiciona contra sua inclusão no documento final. Segundo a delegação argentina, essa decisão segue instruções diretas do governo de Milei.
Analistas sugerem que essa postura está alinhada às ideias do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Trump já anunciou planos de estender cortes de impostos para grandes fortunas e empresas, e o governo Milei parece adotar uma visão semelhante.
Oposição a compromissos globais
A Argentina também levantou objeções a trechos que mencionam os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e a Agenda 2030 da ONU. Esses compromissos, apoiados por muitos países, visam promover sustentabilidade, reduzir desigualdades e erradicar a pobreza.
Para os diplomatas brasileiros, essa resistência vai contra o espírito de cooperação do G20. A presidência brasileira considera crucial avançar em temas como justiça social e sustentabilidade, mas a postura da Argentina tem dificultado o progresso nesse sentido.
Estratégias para contornar os impasses
Os negociadores brasileiros, conhecidos como “sherpas”, estão adaptando a linguagem do texto final para incluir as preocupações da Argentina sem perder o apoio de países que defendem pautas progressistas, como igualdade de gênero.
Esse esforço é delicado, pois, além de lidar com a oposição argentina, é necessário equilibrar os interesses variados de outros membros do grupo. Para o Brasil, anfitrião da cúpula, é essencial garantir um documento final forte e representativo do G20 como espaço de cooperação global.
Críticas de Janja à postura argentina
Durante a abertura do G20 Social, na quinta-feira (14), a primeira-dama do Brasil, Janja Lula da Silva, criticou diretamente a postura da Argentina. Ela destacou que o governo Milei se recusou a assinar a resolução do Grupo de Trabalho de Empoderamento Feminino devido à inclusão de termos sobre igualdade de gênero.
“A voz das mulheres precisa ser ouvida. É difícil imaginar um futuro sem igualdade de gênero”, afirmou Janja. Ela também elogiou a liderança do Brasil no evento, destacando a relevância da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, um dos principais temas da cúpula.
A primeira-dama reforçou que o Brasil tem trabalhado para promover compromissos globais em áreas sociais, ambientais e econômicas, mas reconheceu os desafios gerados pela resistência de alguns países.
Desafios para o Brasil
O G20 deste ano reflete as tensões ideológicas e econômicas entre seus membros. Com a cúpula marcada para os dias 18 e 19 de novembro, o Brasil busca aprovar um documento final que seja ao mesmo tempo inclusivo e ambicioso.
A presidência brasileira vê o evento como uma oportunidade para liderar discussões sobre temas como igualdade, sustentabilidade e justiça social. No entanto, as divergências argentinas ressaltam as dificuldades de alcançar um consenso em questões tão amplas e complexas.
Para os negociadores, o maior desafio é equilibrar as diferentes posições sem abrir mão dos compromissos prioritários defendidos pelo Brasil. Apesar dos obstáculos, há otimismo de que a cúpula de 2024 possa representar avanços significativos, mesmo diante de tantas divergências.
Um marco para a cooperação internacional
O comportamento da Argentina no G20 destacou as diferenças entre os membros, mas também reforçou a importância do diálogo constante. Embora as negociações enfrentem obstáculos, o Brasil segue empenhado em encontrar soluções que fortaleçam o espírito de cooperação global.
Se aprovada, a declaração final será um marco para o evento, representando os desafios e conquistas de um mundo cada vez mais interconectado. O sucesso do G20 dependerá da habilidade dos negociadores em superar divergências e promover um futuro mais justo e sustentável.
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