Como militares serão afetados por corte de gastos do governo?

Para equilibrar as finanças do país, o governo anunciou mudanças nas regras de aposentadoria dos militares. Essas alterações fazem parte de um plano maior para cortar gastos e evitar que as dívidas do Brasil cresçam ainda mais. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou que a expectativa é economizar cerca de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos com essas medidas.

O anúncio das novas medidas econômicas, que inclui mudanças nas regras de aposentadoria dos militares, estava previsto para acontecer na semana passada. No entanto, as negociações com as Forças Armadas se prolongaram, atrasando a divulgação oficial. O governo precisava de um acordo com os militares antes de apresentar o pacote ao Congresso e à população.

Imagem ilustrativa sobre mudanças nas aposentadorias dos militares.
Descubra como as novas regras para aposentadoria dos militares visam equilibrar contas públicas e reduzir privilégios previdenciários |Foto: Reprodução/Freepik

Apesar de o pacote anunciado conter outras medidas de maior relevância devido à magnitude da contenção de gastos, o impacto fiscal das alterações no setor militar não pode ser considerado insignificante, afirma o economista Marcus Pestana, diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente).

“O nosso sistema previdenciário é desequilibrado como um todo, e nele, o sistema previdenciário militar é o mais desequilibrado, é o que tem maior distância entre gasto e arrecadação”, afirma Pestana.

Conforme dados do Tribunal de Contas da União de 2014, o desequilíbrio no sistema previdenciário dos militares resultou em um déficit de R$ 49,7 bilhões nos cofres públicos em 2023.

O governo afirma que as novas regras para a aposentadoria dos militares visam reduzir o rombo nas contas públicas. Essa medida faz parte de um esforço mais amplo para equilibrar o orçamento do país.

Pesquisadores concordam que incluir os militares nesse processo de ajuste fiscal é fundamental, não apenas do ponto de vista econômico, mas também político. Como explica Guilherme Klein, pesquisador do MADE, “mesmo que a economia gerada por essas mudanças não seja tão grande quanto em outras áreas, elas servem como um sinal de que o governo está tratando todos os setores de forma igualitária.

“É a mesma coisa dos super salários. É uma questão de justiça social. São mudanças que, sozinhas, não vão resolver o problema, mas se forem feitas em várias áreas, vão se somando. Se você vai fazer um pente fino nas contas públicas, se vai fazer no BPC (Benefício de Prestação Continuada) porque não fazer em todas as áreas?”, afirma Klein.

Além da importância financeira, existe um simbolismo político na contenção de privilégios previdenciários militares, aponta. Diversas tentativas de fazer alterações no sistema previdenciário militar já foram frustradas por causa da resistência do setor.

“As mudanças nas despesas previdenciárias dos militares parece ter um caráter mais de justiça social, tendo em vista que a categoria ficou de fora da reforma da previdência de 2019”, afirma o economista Alexandre Andrade, que também é diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

Qual o tamanho do déficit com pensões militares?

A dívida da previdência dos militares é menor que a dos outros grupos, mas quando a gente divide essa dívida pelo número de aposentados, a diferença é muito grande. Cada aposentado militar custa quase 17 vezes mais para o governo do que cada aposentado do INSS.

Enquanto um aposentado do INSS custa, em média, R$ 9,4 mil por ano, um militar aposentado custa R$ 159 mil. Essa diferença muito grande faz com que o governo gaste muito mais dinheiro com a aposentadoria dos militares.

“Hoje, você tem militares que servem por 35 anos contribuindo com 20% do salário, se aposentam com 55 e vivem outros 30 anos usufruindo 100% do salário. E depois da morte ainda passam para a viúva e para as filhas”, explica Pestana.

As mudanças propostas pelo governo para a previdência dos militares ainda dependem de aprovação do Congresso Nacional e não terão efeito imediato.

É importante ressaltar que essas mudanças não afetarão os direitos dos militares que já se aposentaram, mas exigirão a criação de regras de transição para aqueles que ainda estão na ativa.

Além disso, vale lembrar que a lei de 2001, que extinguiu a pensão vitalícia para filhas de militares, não se aplicou a todos os casos, permitindo que alguns militares mantivessem esse benefício.

Como os cortes propostos pelo governo vão atingir militares?

Grande parte do anúncio do ministro Fernando Haddad foi focada em apresentar outras propostas, como a reforma do imposto de renda — que inclui a isenção de IR para quem recebe até R$ 5 mil — e o fim dos salários acima do teto para servidores públicos.

De acordo com Alexandre Andrade, do IFI, as medidas, em geral, buscam ajustar o crescimento de alguns grupos de despesas que estavam avançando acima do limite previsto.

“Isso tende a desacelerar o ritmo de expansão desses gastos”, explica.

Haddad também mencionou os cortes relacionados aos militares, negociados com o Ministério da Defesa.

Embora o governo ainda não tenha divulgado oficialmente a economia esperada com as medidas, Haddad afirmou na semana passada que a contenção seria “na faixa de R$ 2 bilhões” anuais.

As mudanças anunciadas envolvendo os militares incluem:

1. Introdução de uma idade mínima para a reserva

Atualmente, os militares podem ir para a reserva e começar a receber pensão sem cumprir um critério de idade mínima, mas apenas com um tempo mínimo de serviço de 35 anos.

Na prática, isso faz com que muitos militares se aposentem cedo, ficando mais tempo como beneficiários da previdência social do que contribuindo, conforme apontou o economista Marcus Pestana.

A criação de uma idade mínima busca reduzir esse desequilíbrio, segundo Pestana. Apesar de Haddad mencionar apenas a introdução da idade mínima, informações preliminares apontam que ela pode ser de 55 anos.

Caso se confirme, essa idade ainda será considerada baixa em relação ao regime civil, que, até 2031, terá a idade mínima fixada em 65 anos para homens e 63 para mulheres.

A mudança não terá efeito imediato ou retroativo, devendo incluir uma regra de transição. Assim, na prática, não se trata de uma redução de gastos presentes, mas sim de contenção de despesas futuras, explica Pestana.

Essa idade mínima também pode impactar a progressão na carreira militar, planejada para evitar que militares passem muito tempo em cargos superiores.

2. Restrição na transferência de pensões para parentes

Embora uma mudança em 2001 tenha eliminado a possibilidade de transferência de pensões para filhos, militares que ingressaram no serviço até essa data puderam optar por manter o benefício mediante pagamento de uma alíquota de 1,5%.

Para esses casos, a pensão pode ser transferida, após a morte, não apenas para cônjuges e filhos, mas também para parentes mais distantes (como irmãos), caso os parentes mais próximos não sejam beneficiários.

Haddad anunciou que haverá limitações, buscando maior igualdade dentro das Forças Armadas.

“São mudanças justas e necessárias”, declarou.

Segundo informações divulgadas na imprensa, a nova regra deve estabelecer que, se houver parentes próximos aptos a receber o benefício, parentes mais distantes ficarão excluídos.

Pela proposta, irmãos e pais só poderão receber a pensão em caso de morte do militar se não houver outros familiares mais próximos para serem contemplados primeiro.

Outras mudanças em discussão


Durante seu anúncio, Haddad mencionou a possibilidade de novos ajustes na previdência militar, mas não deu detalhes.

Nos últimos dias, o governo sinalizou outras duas possíveis alterações, que, no entanto, ainda não estão confirmadas como parte do pacote a ser enviado ao Congresso.

  • Extinção do benefício para famílias de militares condenados ou expulsos

Uma das propostas discutidas prevê o fim do chamado mecanismo de “morte ficta”. Atualmente, quando um militar é expulso por crime ou condenado, ele é tratado como se tivesse falecido para fins de pensão, garantindo 100% do benefício à família.

Com a mudança, a família passaria a receber apenas o auxílio-reclusão, benefício destinado a dependentes de presos que contribuíram para a previdência, com valores significativamente menores.

  • Contribuição uniforme de 3,5% para o Fundo de Saúde

Outra alteração em análise é a padronização da contribuição dos militares ao Fundo de Saúde. Hoje, as alíquotas variam, podendo ser inferiores a 3,5%.

A proposta é que todos passem a contribuir com 3,5%, o que poderia gerar uma arrecadação extra de cerca de R$ 2 bilhões anuais, conforme estimativas do Centro de Liderança Pública.

Leia também: Governo estima economia de R$ 25,9 bilhões com revisão de gastos

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