Metas descumpridas expõem desafios econômicos, com inflação pressionada por alimentos, combustíveis e cenário fiscal
Nos últimos 26 anos, o regime de metas de inflação, baseado na variação anual do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), foi descumprido pelo Banco Central (BC) em oito ocasiões. O dado mais recente, divulgado pelo IBGE nesta sexta-feira, 10 de janeiro, aponta um IPCA de 2024 em 4,83%, acima da meta de 3% e do teto de 4,5%.
Diante disso, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, apresentará nesta sexta, às 18h, uma carta explicando as razões do desvio à sociedade e ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Em 2025, novas regras entrarão em vigor, estabelecendo uma meta contínua de 3%, com tolerância de 1,5 ponto percentual. O descumprimento será caracterizado se, por seis meses consecutivos, a inflação acumulada em 12 meses exceder o limite inferior ou superior da faixa de tolerância.
Carne, café e gasolina ficaram mais caros
Em 2024, o custo de alimentos e bebidas voltou a pesar no orçamento familiar, contribuindo com 1,63 ponto percentual para a inflação. Os maiores aumentos foram registrados em itens como carnes (20,84%), café moído (39,60%), leite longa vida (18,83%) e frutas (12,12%).
Na área de saúde e cuidados pessoais, o impacto foi de 0,81 ponto percentual, puxado por um reajuste de 7,87% nos planos de saúde e de 5,95% nos produtos farmacêuticos.
No setor de transportes, a inflação foi influenciada em 0,69 ponto percentual, com a gasolina, que teve alta de 9,71%, liderando como o subitem de maior peso no IPCA, segundo o IBGE. O etanol também foi um vilão, com aumento de 17,58% no período.
O que os especialistas dizem sobre a pressão inflacionária em 2025?
André Valério, economista sênior do Inter, destacou que o resultado da inflação de dezembro evidencia uma piora na dinâmica inflacionária dos últimos meses, influenciada pela valorização do dólar e pelo aquecimento da economia.
De acordo com ele, o índice de difusão alcançou 69% em dezembro, o maior nível desde o mesmo mês de 2022. Esse indicador, que mede a proporção de itens com aumento de preços, torna-se preocupante quando supera 60%, chamando a atenção de especialistas no tema.
Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, ressaltou que os números indicam os primeiros sinais de impacto da alta do dólar no varejo, especialmente em alimentos e bens industriais. Além disso, o mercado de trabalho aquecido está começando a pressionar os preços dos serviços, refletindo em uma reinflação generalizada.
Qual é o problema primário?
A alta do IPCA está parcialmente ligada a uma crise de confiança no Brasil. Esse cenário teve início em abril de 2024, com a desancoragem das expectativas de inflação após o governo flexibilizar o arcabouço fiscal, alterando as metas previstas para os próximos anos. Inicialmente, o objetivo era zerar o déficit público em 2024, mas essa meta foi postergada para 2025.
No país, o aumento dos gastos públicos exerce pressão direta sobre a inflação. Os reajustes reais do salário mínimo, que também impactam os valores de benefícios previdenciários, trabalhistas e assistenciais, são fatores centrais nesse processo.
A gestão petista comprometeu-se a alcançar superávits de 0,25%, 0,5% e 1% do PIB em 2026, 2027 e 2028, respectivamente. No entanto, essa decisão foi mal recebida pelo mercado, influenciando as expectativas de inflação e o câmbio.
Para analistas, investidores e economistas, a percepção predominante é de que o governo não está suficientemente empenhado em conter o crescimento dos gastos públicos. Como resultado, a trajetória de elevação da dívida pública continua preocupante.
De acordo com projeções do Tesouro Nacional, divulgadas em 16 de dezembro de 2024, a dívida bruta deverá atingir 81,8% do PIB em 2027, um aumento de 2,1 pontos percentuais em relação às estimativas de abril. Após esse pico, o endividamento entraria em declínio, alcançando 75,6% do PIB em 2034, segundo os cálculos oficiais.
Entre 2023, quando a dívida pública foi de 73,8% do PIB, e 2027, o governo estima um aumento de 8 pontos percentuais.
No entanto, as projeções do mercado são mais pessimistas. O Boletim Focus prevê que a dívida pública, que chegou a 78,3% do PIB em 2025, subirá para 82% em 2025, 85,3% em 2026, 87,4% em 2027 e atingirá um pico de 95,1% em 2033.
Com base nessas estimativas, o mercado projeta um aumento de 13,6 pontos percentuais na dívida pública entre 2023 e 2027.
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