O número de afastamentos do trabalho por transtornos mentais, como ansiedade, depressão e síndrome de burnout, teve um crescimento alarmante no Brasil. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, houve um aumento de quase 70% nesses casos no último ano, totalizando cerca de 500 mil afastamentos.
Esse avanço trouxe impacto direto para a Justiça do Trabalho, que tem registrado um crescimento expressivo nas ações judiciais relacionadas a doenças ocupacionais de origem psicológica.
Para lidar com esse cenário, o Ministério do Trabalho anunciou mudanças na Norma Regulamentadora 1 (NR1), que entrarão em vigor no dia 26 de maio. O objetivo é intensificar a fiscalização sobre os riscos psicossociais no ambiente de trabalho e aumentar a responsabilidade das empresas sobre a saúde mental de seus funcionários.

O impacto do burnout na Justiça do Trabalho
A explosão dos casos de burnout gerou uma avalanche de processos na Justiça do Trabalho. Entre 2020 e 2022, mais de 4 mil ações foram movidas por trabalhadores alegando desenvolvimento da síndrome no ambiente profissional, um crescimento significativo em comparação com o período de 2017 a 2019, que registrou cerca de 2,3 mil processos.
No entanto, a maioria dos trabalhadores encontra dificuldades para comprovar a relação entre a doença e o trabalho. Um levantamento da plataforma de notícias jurídicas Jota mostrou que 67,6% das ações são negadas.
Entre outubro e dezembro de 2024, foram analisadas 108 decisões judiciais sobre pedidos de indenização por burnout nos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª, 4ª e 15ª Região, e apenas 32,4% resultaram em sentenças favoráveis aos funcionários.
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A principal dificuldade, segundo especialistas, está na necessidade de comprovação do nexo de causalidade – ou seja, a relação direta entre a doença e as condições de trabalho. “É preciso apurar e comprovar essa relação, o que normalmente exige perícias médicas e um volume grande de provas, como e-mails, mensagens e registros de jornada”, explica o advogado trabalhista Sergio Pelcerman.
O que muda com a nova norma
A atualização da NR1 busca aumentar a responsabilidade das empresas e gestores sobre fatores que impactam a saúde mental dos trabalhadores. O Ministério do Trabalho passa a exigir que as empresas adotem medidas preventivas contra riscos psicossociais, como metas excessivas, assédio moral, ausência de suporte, jornadas extenuantes e ambientes de trabalho tóxicos.
A fiscalização será baseada em denúncias encaminhadas ao órgão, e os auditores fiscais do trabalho poderão inspecionar os locais, analisar dados de afastamentos e entrevistar funcionários. Caso sejam identificadas irregularidades, as empresas poderão ser multadas, com valores que variam de R$ 500 a R$ 6 mil por infração.
Responsabilidade das empresas
A nova norma reforça a necessidade de um ambiente de trabalho mais saudável, não apenas para reduzir riscos de adoecimento dos funcionários, mas também para evitar sanções legais e financeiras.
“Os tribunais já vêm responsabilizando empregadores por danos morais e financeiros quando comprovado que as condições de trabalho contribuíram para o desenvolvimento de transtornos mentais”, afirma Otavio Pinto e Silva, presidente da Comissão de Advocacia Trabalhista da OAB-SP.
Decisões judiciais recentes demonstram que empresas podem ser condenadas a pagar indenizações elevadas nesses casos. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já validou ações que resultaram em indenizações significativas, incluindo um caso em que um trabalhador recebeu R$ 475 mil após ser aposentado por invalidez devido à síndrome de burnout.
Como o trabalhador pode se proteger
Para buscar indenização ou afastamento por burnout, o trabalhador deve reunir o máximo de provas possível, incluindo:
- Laudos médicos e psicológicos detalhando o diagnóstico e a relação com o ambiente de trabalho;
- Registros de e-mails e mensagens que demonstrem excesso de cobrança ou assédio moral;
- Comprovantes de carga excessiva de trabalho, como horas extras frequentes e ausência de pausas;
- Relatos de colegas que possam confirmar as condições prejudiciais no ambiente de trabalho.
Se houver reconhecimento da doença como ocupacional, o trabalhador tem direito a estabilidade no emprego por um ano. Caso a reintegração não seja viável, o juiz pode determinar o pagamento de indenização correspondente ao período de estabilidade, incluindo salário, 13º, férias e outras verbas trabalhistas.
O aumento das ações judiciais por burnout e a nova regulamentação do Ministério do Trabalho indicam uma mudança no cenário da saúde mental corporativa. Com a entrada em vigor da nova NR1, a fiscalização será mais rigorosa, e as empresas precisarão reforçar políticas de bem-estar para evitar processos e penalizações. Ao mesmo tempo, os trabalhadores precisam estar atentos a seus direitos e buscar assistência jurídica caso sintam que seu ambiente de trabalho está comprometendo sua saúde mental.
O tema do burnout no mercado de trabalho seguirá em pauta nos próximos anos, exigindo um equilíbrio entre produtividade e qualidade de vida para evitar que o esgotamento profissional continue crescendo no Brasil.