Quais são os desafios enfrentados pelas empreendedoras negras no Brasil?

O empreendedorismo feminino no Brasil já é desafiador por si só, mas para as mulheres negras, as dificuldades e desafios se multiplicam devido à discriminação racial, ao acesso restrito ao crédito e à sobrecarga de tarefas diárias.

Uma nova pesquisa realizada pelo Instituto RME, com o apoio da Rede Mulher Empreendedora, revela o cenário das empreendedoras pretas e pardas no país, destacando os obstáculos que tornam ainda mais árduo o caminho dessas mulheres.

A realidade das empreendedoras negras

De acordo com o estudo, intitulado “Empreendedoras Negras”, 47% das mulheres negras que empreendem no Brasil faturam até R$ 2 mil por mês. As mulheres pardas, que também enfrentam desafios similares, estão em uma situação ainda mais difícil, com 51% delas nessa faixa de faturamento, em comparação aos 44% das mulheres pretas.

A pesquisa traçou o perfil dessas mulheres empreendedoras e destacou a sobrecarga de tarefas diárias como um dos maiores obstáculos para o crescimento de seus negócios. A jornada dupla, ou até tripla, das empreendedoras negras, inclui não só as responsabilidades profissionais, mas também os desafios do trabalho doméstico e familiar, que impactam diretamente a saúde física e mental dessas mulheres.

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O empreendedorismo feminino no Brasil já é um campo cheio de desafios, mas as empreendedoras negras enfrentam barreiras ainda mais intensas devido à interseção de gênero e raça | Foto: Reprodução/Canva
O empreendedorismo feminino no Brasil já é um campo cheio de desafios, mas as empreendedoras negras enfrentam barreiras ainda mais intensas devido à interseção de gênero e raça | Foto: Reprodução/Canva

A interseção de raça e gênero no empreendedorismo

As dificuldades enfrentadas pelas empreendedoras negras são ampliadas pela interseção de gênero e raça. A discriminação racial no ambiente de trabalho é um fator crucial que as impede de alcançar um desenvolvimento pleno nos seus negócios.

O estudo aponta que 70% das mulheres pretas e 52% das pardas já sofreram discriminação racial no trabalho. O impacto desse preconceito vai além do aspecto social, afetando também a autoestima e a saúde mental dessas empreendedoras.

A pesquisa revela que 71% das empreendedoras pretas e 60% das pardas acreditam que o racismo se manifesta com mais intensidade contra mulheres de pele escura, criando uma barreira emocional e profissional ainda mais difícil de ser superada.

A importância do apoio coletivo

Diante desses desafios, o estudo destaca a importância de coletivos e organizações como fontes essenciais de apoio. Para 66% das empreendedoras entrevistadas, esses grupos desempenham um papel fundamental na promoção de iniciativas de empreendedorismo feminino e na busca por mais autonomia e oportunidades de negócios.

Organizações como a Rede Mulher Empreendedora têm sido vitais para fornecer suporte psicológico, financeiro e profissional, permitindo que muitas dessas mulheres superem os obstáculos impostos pela sociedade.

Setores de destaque e motivação para empreender

A pesquisa também revela quais são os setores em que as empreendedoras negras mais atuam. Os segmentos de alimentação, beleza e consultoria se destacam como os mais frequentes, refletindo o potencial de crescimento dessas áreas, mas também a necessidade de mais apoio financeiro e visibilidade para o desenvolvimento desses negócios.

A motivação para o empreendedorismo, segundo o levantamento, é principalmente a busca pela liberdade profissional e a independência financeira. Para muitas, o empreendedorismo é uma resposta direta às dificuldades enfrentadas no mercado de trabalho formal, especialmente em relação à discriminação racial. Entre as mulheres pretas, 13% citaram o racismo como um dos motivos para abrir o próprio negócio, enquanto entre as mulheres pardas, esse índice foi de 3%.

O impacto da sobrecarga de tarefas

Uma das questões mais recorrentes entre as empreendedoras negras é a sobrecarga de tarefas, o que torna a gestão do negócio mais complexa e desgastante. Além do trabalho no negócio, essas mulheres assumem uma quantidade significativa de responsabilidades domésticas e familiares, o que limita o tempo e a energia para se dedicar exclusivamente ao seu empreendimento.

Essa sobrecarga é ainda mais exacerbada pela falta de acesso ao crédito. A pesquisa aponta que o crédito é um dos maiores desafios, com muitas empreendedoras afirmando que enfrentaram humilhações ao tentar obter empréstimos bancários para expandir seus negócios. A falta de apoio financeiro impede que muitas dessas mulheres consigam transformar suas ideias em grandes projetos empresariais.

O apoio das organizações e a urgência da mudança

A pesquisa revela que a autonomia econômica das mulheres negras é fundamental para a luta contra o racismo estrutural e o machismo. Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME), afirma que apoiar as empreendedoras negras é essencial não apenas para a economia, mas também para a construção de uma sociedade mais justa. Segundo ela, “apoiar mulheres negras nesta jornada é o trabalho da RME e deveria ser de toda a sociedade”.

Além disso, a pesquisa aponta que as mulheres negras que empreendem buscam cada vez mais flexibilidade no trabalho e a possibilidade de conciliar suas responsabilidades pessoais com o sucesso profissional. O empreendedorismo oferece essa chance, mas os desafios são imensos, e as desigualdades estruturais exigem um esforço coletivo para superá-los.

Considerações finais

O empreendedorismo feminino no Brasil já é um campo cheio de desafios, mas as empreendedoras negras enfrentam barreiras ainda mais intensas devido à interseção de gênero e raça. A discriminação racial, a sobrecarga de responsabilidades e a falta de acesso ao crédito são apenas alguns dos obstáculos que essas mulheres têm que enfrentar diariamente.

A mudança necessária para garantir mais oportunidades e igualdade de condições para as empreendedoras negras depende do apoio coletivo e da promoção de políticas públicas que combatam o racismo e o machismo, criando um ambiente mais justo e inclusivo para todos.

A pesquisa é um importante reflexo das dificuldades enfrentadas pelas mulheres negras no Brasil e destaca a necessidade urgente de apoio e transformação social para garantir que elas possam prosperar como empreendedoras e conquistar a autonomia financeira que merecem.

*Entrevistas concedidas ao Meio&Mensagem.

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