A presença de mulheres em cargos de liderança tem se expandido de forma gradual, refletindo a luta constante por mais equidade no mercado de trabalho. No entanto, ainda que os números mostrem avanços, há muito a ser feito para garantir que as mulheres realmente se firmem em posições de poder.
Com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), podemos observar que, em 2022, a participação feminina no mercado de trabalho alcançou 53,3%. No entanto, apenas 39% ocupavam cargos gerenciais, evidenciando a disparidade existente, especialmente quando se considera que o nível de escolaridade das mulheres é duas vezes superior ao dos homens.
Esse cenário é refletido globalmente, principalmente em países como os Estados Unidos, onde apenas 10% dos CEOs das 500 maiores empresas eram mulheres em 2023. Embora o percentual tenha apresentado uma leve evolução em relação aos 8% registrados em anos anteriores, a realidade ainda é desafiadora.
Um estudo da Conference Board revelou que empresas com pelo menos 30% de mulheres em cargos de liderança têm 12 vezes mais chances de alcançar os 20% melhores em desempenho financeiro, indicando que a presença feminina nas lideranças pode ser crucial para o sucesso financeiro das organizações.
Desafios para a ascensão das mulheres
Para mulheres líderes como Patrícia Lima, CEO da Simple Organic, a jornada é repleta de desafios. Além dos vieses inconscientes e da constante necessidade de provar suas capacidades, as líderes enfrentam uma cobrança mais rigorosa em comparação aos seus colegas homens.
O ambiente corporativo brasileiro, que historicamente favoreceu homens nas posições de poder, ainda apresenta obstáculos. Contudo, Lima destaca que as mulheres líderes têm trazido novas abordagens à gestão, com foco em colaboração, inovação e impacto social. Na Simple Organic, 80% das lideranças são compostas por mulheres, evidenciando a relevância dessa mudança de perspectiva.
Em empresas como a VML Brasil, lideradas por Karina Ribeiro, a luta pela inclusão também é palpável. Ribeiro enfatiza a importância de olhar para as oportunidades de transformação dentro do ambiente corporativo e acredita que uma pluralidade de perspectivas e experiências resulta em ambientes mais produtivos e inovadores. A diversidade não se resume à presença de mulheres, mas à inclusão de profissionais de diferentes origens e repertórios.
A cultura corporativa e a retenção de talentos
No entanto, a luta das mulheres na liderança não se resume à conquista de cargos, mas também à manutenção desses espaços. Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho do Magazine Luiza, aponta que as barreiras muitas vezes são sutis, como redes de indicação predominantemente masculinas e critérios subjetivos de promoção. Trajano defende que as mulheres já estão plenamente capacitadas para assumir cargos de liderança e que as empresas devem atuar estrategicamente para criar redes de apoio e fortalecer a presença feminina nos espaços de influência.
Maíra Liguori, diretora do Think Olga e Think Eva, reforça a importância de não apenas contratar mulheres para posições de liderança, mas garantir que o ambiente de trabalho seja acolhedor, sem micromachismos ou falta de estrutura para conciliação de responsabilidades profissionais e familiares. Sem uma adaptação real do ambiente, o recrutamento de mulheres pode resultar em desconforto e insatisfação. De acordo com um levantamento da Think Olga, cerca de 40% das mulheres relataram estar insatisfeitas com o trabalho, citando fatores como baixa remuneração, sobrecarga de tarefas domésticas e falta de reconhecimento.
Inclusão e sustentabilidade no mercado de trabalho
Outro ponto crucial é que a inclusão de mulheres nas empresas não pode ser tratada apenas como uma medida pontual, mas sim como parte de uma estratégia contínua. Claudia Vilhena, CMO do Carrefour Varejo e Sam’s Club, aponta que empresas com culturas inclusivas atraem profissionais qualificados que buscam trabalhar em ambientes alinhados aos seus valores. No contexto atual, a geração Z, que entra no mercado de trabalho com demandas por representatividade e ambientes de desenvolvimento profissional, exige que as empresas se alinhem a esses valores.
No Brasil, o cenário legislativo também apresenta avanços. Nos últimos anos, foram implementadas leis como a da igualdade salarial, além de medidas de apoio para mulheres em situação de vulnerabilidade. Tais mudanças representam um avanço significativo, embora o ritmo ainda não seja o ideal.
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O impacto das políticas de diversidade e a resistência
É importante destacar que a resistência a essas políticas de equidade de gênero tem crescido em alguns locais. Em 2024, algumas grandes empresas dos Estados Unidos anunciaram reduções ou até mesmo o fim de políticas de diversidade e inclusão (DEI), pressionadas por movimentos conservadores. No entanto, figuras como Viviane Duarte, fundadora do Plano Feminino, acreditam que esse retrocesso será superado com mais estratégia e inteligência emocional para garantir que as mulheres não saiam dos espaços que conquistaram.
Além disso, Luana Génot, fundadora do ID_BR, lembra que a intersecção entre gênero e raça deve ser considerada nas políticas de inclusão. Dados apontam que a igualdade de gênero pode impulsionar enormemente a economia global, com um impacto de US$ 60 trilhões no PIB mundial.
A resistência digital e os desafios tecnológicos
Apesar dos avanços, a jornada das mulheres na liderança também é marcada pelos desafios impostos pelas redes sociais e pelo cenário digital. Estudo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do Ministério das Mulheres revela que o YouTube, por exemplo, tem sido um espaço de propagação de misoginia, com influenciadores utilizando a plataforma para disseminar conteúdo de ódio contra as mulheres.
Diante desse cenário, é essencial que as mulheres continuem a ocupar espaços de influência, não apenas no mercado de trabalho, mas também no ambiente digital. A construção de uma rede de apoio sólida, o fortalecimento de posições de liderança e a implementação de políticas de diversidade e inclusão eficazes são medidas fundamentais para garantir que a jornada das mulheres na liderança seja não apenas uma conquista pontual, mas uma realidade sustentável no longo prazo.
*Cases e entrevistas concedidos ao Meio&Mensagem