A expansão das bets no Brasil: um dilema econômico e social desde 2018

Desde que as famosas bets ou apostas esportivas, foram liberadas no Brasil, em 2018, o país viu uma verdadeira explosão desse mercado que se tornou uma indústria bilionária. A legalização, embora inicialmente não regulada, permitiu que grandes empresas do setor se instalassem no país, com massivas campanhas publicitárias, especialmente no futebol. Mas por trás do crescimento, surgem problemas: endividamento, impactos no consumo e crises de saúde mental, principalmente nas famílias de baixa renda.

De acordo com um levantamento do Itaú, entre junho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros perderam cerca de R$ 23,9 bilhões em apostas esportivas. Esse valor é uma fatia significativa dos R$ 68,2 bilhões movimentados pelo setor no período. O impacto tem sido particularmente grave entre as classes C, D e E, as mais vulneráveis economicamente.

Impacto das bets nas finanças das famílias brasileiras

A falta de regulação inicial deixou as portas abertas para o crescimento desenfreado do setor. Grandes empresas internacionais de apostas entraram no Brasil, como MGM Resorts International e Betfair. Além de investir pesado em publicidade, patrocinam clubes e competições esportivas. No entanto, estudos recentes sugerem que esse crescimento pode drenar recursos da economia real, especialmente do consumo e da poupança das famílias.

Segundo a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), 41% dos paulistanos entrevistados afirmaram ter direcionado dinheiro de outras formas de entretenimento para apostas. Além disso, 20% admitiram que usaram recursos destinados ao pagamento de contas, enquanto outros 11% deixaram de comprar alimentos ou roupas para apostar. Esse comportamento aponta para um cenário preocupante, já que as bets começaram a substituir despesas essenciais nas finanças das famílias.

Outro estudo, realizado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, revelou que 63% dos consumidores que apostam relataram que suas apostas comprometeram a renda principal, e 23% dos entrevistados deixaram de comprar roupas, enquanto 19% diminuíram suas compras em supermercados.

As bets fazem parte de uma indústria que promete, mas também preocupa

Apesar das promessas de arrecadação e investimento, as apostas esportivas também vêm sendo vistas como uma ameaça à economia real. Com a regulamentação aprovada pelo Congresso em 2023, as empresas de apostas são obrigadas a ter um sócio nacional e pagar uma outorga ao governo para operar. Isso deverá gerar uma receita de R$ 3,4 bilhões apenas em autorizações, além de novos impostos que serão cobrados das empresas.

No entanto, alguns especialistas, como Mauro Toledo, diretor da consultoria PriceWaterhouse no Brasil, questionam o real impacto econômico dessas empresas. Ele aponta que a maior parte das apostas online não geram empregos ou investimentos significativos no país, pois a maioria das empresas são estrangeiras e operam de forma remota. Toledo também observa que, embora as bets possam impulsionar o mercado de marketing e publicidade, elas retiram dinheiro de áreas como cultura, lazer e consumo de bens de primeira necessidade.

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A questão social e a saúde mental dos apostadores

Além dos problemas econômicos, o impacto das apostas na saúde mental dos brasileiros é alarmante. Com a popularização das bets, o número de viciados em jogos de azar aumentou consideravelmente. Um estudo realizado pelo Instituto Locomotiva apontou que 79% dos apostadores vêm das classes C, D e E, sendo que 86% deles já têm dívidas e 64% estão com o nome sujo no mercado.

O presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, destaca que muitos desses apostadores veem as bets como uma maneira rápida de ganhar dinheiro e sair das dívidas, uma expectativa que, raramente, se concretiza. Ao contrário, a maioria acaba perdendo mais dinheiro do que ganhando e isso cria um ciclo de endividamento e problemas psicológicos. Para muitos, o vício nas apostas tem afetado suas relações familiares, levando à ocultação de gastos e, em casos mais graves, ao rompimento de laços.

A história de Diego, um operador de máquinas de 38 anos, é um exemplo. Ele começou a apostar em 2021, após ser apresentado às apostas esportivas por um amigo. Diego relata que, inicialmente, ganhou grandes quantias, mas logo começou a perder tudo. Seu vício se intensificou ao ponto de comprometer todo o seu salário e ainda fazer um empréstimo de R$ 30 mil para cobrir dívidas. “Eu perdi todo o dinheiro que ganhei na roleta. Quando ganhava, continuava jogando até perder tudo. Aí, comecei a atrasar contas e a esconder isso da minha família”, conta Diego.

Regulação das bets: uma solução para conter a crise?

Diante desse cenário preocupante, o governo brasileiro, por meio do Ministério da Fazenda, decidiu antecipar a regulamentação que passará a vigorar a partir de outubro de 2024. A regulamentação impõe limites para as apostas e proíbe o uso de cartões de crédito para esse fim, uma tentativa de frear o endividamento desenfreado. Além disso, o governo quer reforçar o controle sobre a publicidade do setor, restringindo o acesso de menores de idade e a exposição de propagandas em horários específicos.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou que o governo enxerga a dependência psicológica dos jogos como uma “pandemia” que precisa ser enfrentada urgentemente. Para Haddad, a regulamentação é um primeiro passo na tentativa de conter os danos causados pelo vício em apostas, mas será necessário um esforço maior para prevenir uma “epidemia de endividamento”.

Com a antecipação da regulação, o governo espera que as empresas que operam ilegalmente deixem o país e aquelas que se adequarem às novas regras poderão operar de maneira mais responsável, para que gerem receitas sem prejudicar a saúde financeira e mental dos brasileiros.

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