A inflação no Brasil voltou a registrar alta em setembro, após um período de deflação em agosto, conforme apontado pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgado pelo IBGE. A alta de 0,44%, impulsionada principalmente pelo aumento dos preços da energia elétrica e alimentos, deixou clara a pressão exercida por esses itens sobre o orçamento das famílias. O IPCA acumulado no ano já soma 3,31%, e, nos últimos 12 meses, atinge 4,42%, muito próximo do teto da meta estabelecida pelo governo para 2024, que é de 4,5%.
Energia e alimentos: os vilões da inflação
Em setembro, a energia elétrica foi um dos principais responsáveis pela alta da inflação, com um aumento de 5,3% nas contas de luz. Esse incremento, causado pela adoção da bandeira vermelha patamar 1 e, posteriormente, patamar 2, foi responsável por quase metade da alta do IPCA no mês.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já anunciou que a bandeira vermelha patamar 2 deve permanecer em vigor até o fim do ano, especialmente em função dos baixos níveis dos reservatórios nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, atualmente em torno de 44%.
A seca nas regiões produtoras também afetou a produção agrícola e a criação de gado, o que levou a um aumento significativo nos preços de alimentos. A carne, por exemplo, registrou a maior alta desde dezembro de 2020, com um aumento de 3% em setembro. Segundo especialistas, a oferta reduzida de carne bovina, intensificada pelas condições climáticas, deverá manter os preços elevados até o final do ano, com uma projeção de alta acumulada de 8,75% em 2024.
Impacto nas famílias e perspectivas para o futuro
Os efeitos da alta dos preços de energia e alimentos tendem a continuar pesando no bolso das famílias brasileiras até o final de 2024. Segundo Mayra Guimarães, diretora de Regulação e Mercado da consultoria Thymos, o cenário ainda não aponta para um racionamento de energia, mas os consumidores devem se preparar para pagar mais caro pelas contas de luz até o início de 2025. Se as chuvas previstas para outubro se concretizarem, a bandeira vermelha poderá ser substituída pela bandeira amarela a partir de janeiro, o que traria algum alívio nas contas de energia.
No caso dos alimentos, a situação não é diferente. A seca severa nas regiões produtoras afetou a produção agrícola, especialmente de frutas como laranja, limão e mamão, cujos preços subiram significativamente em setembro. Segundo André Almeida, gerente do IPCA no IBGE, o aumento dos preços de alimentos no domicílio, de 0,56% em setembro, reflete os impactos climáticos, que intensificaram o período de entressafra.
Para 2025, as expectativas também não são otimistas. Andréa Angelo, estrategista de inflação da Warren Investimentos, prevê que os preços da carne devem continuar subindo, com um aumento projetado de 12% no próximo ano. Esse movimento é reflexo de uma oferta ainda mais restrita, influenciada pelas condições climáticas.
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Inflação de serviços e política monetária
Apesar da alta nos preços de energia e alimentos, a inflação de serviços segue uma trajetória menos volátil. O economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), pondera que os aumentos sazonais em alimentos e energia não devem influenciar significativamente a política monetária do Banco Central. O foco do Comitê de Política Monetária (Copom) permanece nas pressões inflacionárias decorrentes da demanda interna e na inflação projetada para os próximos anos.
No entanto, o mercado de trabalho aquecido, com baixa taxa de desemprego, pode continuar elevando os salários, o que, por sua vez, pressiona a inflação de serviços. Embora tenha desacelerado de 0,24% em agosto para 0,15% em setembro, a inflação de serviços deve voltar a subir nos próximos meses, especialmente em setores intensivos em mão de obra.
Segundo Alexandre Maluf, economista da XP, a correção das projeções inflacionárias no país reflete o impacto contínuo da alta dos preços de alimentos e energia. Recentemente, a XP revisou a estimativa do IPCA anual de 4,4% para 4,6%, incorporando a manutenção da bandeira vermelha 2 até novembro e a possibilidade de bandeira vermelha 1 em dezembro.
Revisão de metas e impacto econômico
As expectativas de que a inflação em 2024 ficaria abaixo da meta de 4,5% já começaram a ser revistas por analistas do mercado. Luis Otavio Leal, economista-chefe da G5 Partners, elevou sua projeção de 4,4% para 4,6%, apontando que os eventos climáticos, como El Niño e La Niña, têm impactado fortemente a produção de alimentos e, consequentemente, os preços no campo.
Esses fatores externos tornam o cenário inflacionário mais incerto e difícil de prever. Embora haja a expectativa de um alívio nas condições climáticas e nas contas de energia no início de 2025, o impacto imediato sobre os preços de alimentos e energia continuará pressionando o orçamento das famílias nos próximos meses.
De acordo com André Braz, do FGV/Ibre, o resultado final da inflação em 2024 dependerá das bandeiras tarifárias aplicadas pela Aneel. Se as chuvas não forem intensas o suficiente, a bandeira vermelha pode permanecer até o final do ano, o que garantiria uma pressão contínua sobre o IPCA.