O racismo financeiro é uma das expressões mais sutis e, ao mesmo tempo, devastadoras do racismo estrutural. Ele reflete como as desigualdades raciais presentes na sociedade impactam a forma como as pessoas negras se relacionam com o dinheiro, as oportunidades econômicas e o acesso a serviços financeiros.
Este conceito ganha cada vez mais relevância à medida que figuras públicas, como a atriz e influenciadora Roberta Freitas, trazem à tona relatos de suas experiências pessoais com esse tipo de discriminação.
Em entrevista ao podcast Papo que Rende, Roberta Freitas revelou um aspecto muitas vezes negligenciado do racismo: “O dinheiro para pessoas pretas ainda está em um lugar de dor e de sofrimento. É como se o tempo todo algo estivesse falando na nossa cabeça de que aquilo não é para nós ou que não podemos relaxar porque podemos ficar sem. E isso está ligado ao racismo financeiro”, desabafou a influenciadora.
O que é racismo financeiro?
O racismo financeiro é o termo usado para descrever as práticas discriminatórias que dificultam o acesso de pessoas negras a recursos financeiros, serviços bancários, crédito e oportunidades de investimento. Ele está profundamente enraizado na história de exclusão social e econômica das populações negras. Desde o fim da escravidão, o Brasil manteve barreiras estruturais que dificultaram a ascensão social de pessoas negras, e isso se reflete até hoje na desigualdade de acesso ao capital.
Pessoas negras enfrentam uma série de obstáculos adicionais em comparação a pessoas brancas, como menores oportunidades de emprego, salários mais baixos, maior dificuldade para abrir contas bancárias ou acessar crédito e financiamento. Além disso, há um estigma que associa pobreza à população negra, perpetuando preconceitos e limitando o crescimento econômico de muitas famílias.
Desigualdades no acesso a crédito e serviços bancários
Um dos principais exemplos de racismo financeiro está no acesso ao crédito. Pessoas negras, historicamente, enfrentam dificuldades maiores para obter empréstimos ou financiamento, mesmo quando possuem qualificações similares às de pessoas brancas. Pesquisas mostram que bancos tendem a oferecer taxas de juros mais altas para clientes negros, o que limita sua capacidade de fazer grandes aquisições, como imóveis ou veículos, e dificulta o empreendedorismo.
Roberta Freitas, que hoje está em uma posição de destaque no mercado de luxo, ressaltou essa insegurança em sua relação com o dinheiro: “Mesmo estando em uma situação financeira mais confortável e bem colocada no mercado de luxo, ainda me sinto insegura sobre dinheiro. É como se, por ser preta, eu tivesse que provar constantemente que sou capaz de lidar com as finanças”, relatou.
Esse sentimento de insegurança tem raízes profundas no racismo estrutural. A falta de representação de pessoas negras em posições de poder financeiro ou de destaque na economia também contribui para essa percepção de que o dinheiro “não é para nós”, como mencionado por Freitas.
Acesso desigual à educação financeira
Além das barreiras no acesso ao crédito, outro aspecto do racismo financeiro é a falta de acesso à educação financeira de qualidade. A população negra, em geral, tem menos acesso a informações sobre planejamento financeiro, investimentos e formas de gerir o patrimônio. Sem esse conhecimento, fica ainda mais difícil sair do ciclo de pobreza ou insegurança financeira.
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Muitos especialistas afirmam que a educação financeira pode ser uma ferramenta poderosa para combater o racismo financeiro, mas para isso, ela precisa ser democratizada. A presença de programas educacionais que considerem as particularidades das pessoas negras e ofereçam caminhos para inclusão financeira é essencial para transformar essa realidade.
O impacto psicológico do racismo financeiro
O racismo financeiro não afeta apenas a vida econômica das pessoas, mas também o psicológico. O sentimento de insegurança constante, a ideia de que o dinheiro “não é para nós”, como expressou Roberta Freitas, afeta diretamente a maneira como pessoas negras planejam o futuro e encaram a possibilidade de ter uma vida financeira próspera.
Esse impacto psicológico pode levar ao que muitos especialistas chamam de “ansiedade financeira”, uma preocupação constante com a possibilidade de perder tudo, mesmo quando se está em uma situação financeiramente estável. Esse tipo de estresse financeiro é muito mais prevalente entre pessoas negras devido à combinação de histórico de exclusão econômica e preconceitos que ainda existem na sociedade.
Caminhos para superar o racismo financeiro
Superar o racismo financeiro exige uma série de ações coordenadas. Primeiro, é necessário que as instituições financeiras e o governo reconheçam a existência do problema e trabalhem para criar políticas que promovam a equidade racial no acesso a crédito e outros serviços financeiros. Isso pode incluir medidas como oferecer taxas de juros mais justas, criar programas de incentivo ao empreendedorismo negro e garantir a inclusão financeira para comunidades marginalizadas.
Além disso, a educação financeira precisa ser universalizada. Programas que visam ensinar habilidades de planejamento financeiro, investimento e gestão de patrimônio precisam ser acessíveis a toda a população, com atenção especial às comunidades que historicamente foram excluídas dessas oportunidades.
Outro ponto fundamental é a representação. Mais pessoas negras em posições de liderança nas instituições financeiras, no mercado de investimentos e nas empresas de educação financeira podem ajudar a desconstruir os estigmas em torno do dinheiro e da população negra.
O racismo financeiro é uma questão estrutural que precisa ser enfrentada para que haja justiça econômica no Brasil. Embora tenha raízes históricas profundas, é possível combatê-lo com políticas públicas inclusivas, educação financeira acessível e uma mudança na mentalidade da sociedade em relação ao dinheiro e às pessoas negras.
Como destaca Roberta Freitas, o dinheiro não deve estar associado a dor e sofrimento, mas sim ser visto como uma ferramenta de empoderamento e liberdade para todos, independentemente da cor da pele.