Vivemos em um Brasil de classe média?

Quem abriu a edição do Jornal O Globo em papel ou mesmo nos meios digitais no último domingo, 5 de janeiro, o primeiro de 2025, se deparou com uma manchete esperançosa: Brasil volta a ter maioria da população nas classes média e alta. E não demorou muito para que a interrogação fosse plantada. Afinal, é possível que o país seja agora visto como “rico”?

O estudo, realizado pela Tendências Consultoria, aponta que 50,1% dos domicílios brasileiros tiveram renda superior a R$ 3.400 por mês em 2024, sendo a primeira vez, desde 2015, que essas categorias ultrapassam juntas a metade da amostra. Fatores como o programa social Bolsa Família e a valorização do salário mínimo acima da inflação pavimentaram esse novo retrato nacional, também influenciados pela queda da desigualdade.

Realidades à mesa, o que se tem está posto e é a notícia, real e crua. Mas precisamos dividir o joio do trigo. O país que adentra 2025 apresenta, sim, mobilidade de renda. Mas… classe média ou superexploração? Digo isso porque há uma série de contextos que permeiam a movimentação de grana, fazendo a conta incluir um aumento da força de trabalho, o também aumento da intensidade e seu prolongamento, além do pagamento muito aquém do valor que valeria. Ou você concorda que recebe aquilo que realmente deveria ganhar pelo que desempenha?

Ilustração de pessoas representando a classe média no Brasil.
A renda de R$ 3,4 mil por mês coloca mais de 50% dos domicílios brasileiros na classe média em 2025, mas desafios como precarização e endividamento ainda persistem | Foto: Reprodução/Freepik

Analisar mobilidade de renda, tida aqui como intermediária, e o fato de que tenha tornado os consumidores de bens duráveis, como os eletrodomésticos, não é indicador de que tenham deixado a precarização dos seus trabalhos. Isso justifica, por linhas tortas, um aumento do giro, que se estabelece não mais somente em um único “job”, mas sim em três, quatro, cinco.

E são pessoas que cumprem longas jornadas, muitas vezes com ritmos extenuantes, que recebem abaixo do salário mínimo necessário, muitos deles sendo pessoas jurídicas (PJs), e que atuam como trabalhadores terceirizados. Aqui, risca-se no chão a falta dos direitos laborais. Os novos “donos de si”, que vivem sem nenhum tipo de resguardo trabalhista.

Quem são essas pessoas?

Pessoas que, por vezes, precisam recorrer ao endividamento por meio de empréstimos. Pessoas como eu mesmo, que vos escrevo, acionando serviços que me deixaram “quebrado”.

Em termos gerais, vemos o país vivenciar um novo momento, com a flexibilização dos direitos trabalhistas e o fortalecimento da precarização, que podem nos colocar sob ilusões de que o Brasil estaria se encaminhando para vencer desafios como a pobreza da nação trabalhadora, que tanto depende dos programas sociais.

Não soa coerente dizer que quem ganha R$ 3,5 mil é classe média/alta, quando não consegue fazer o básico do básico: pagar o que come, onde vive e ter acesso à cultura, no Brasil em que o quilo do pão está perto de R$ 25.

Devemos refletir, em conjunto, sobre os planos para a continuidade de uma população de classe média a alta. Essa é a grande chave, ou viveremos um filme que já vimos. E o final não rendeu Globo de Ouro.

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