Discalculia: o desafio silencioso que afeta 7% dos brasileiros na infância

A dificuldade em ler a hora em um relógio de ponteiro, calcular o troco no supermercado ou decorar o próprio número de telefone podem parecer tarefas simples para a maioria das pessoas, mas para indivíduos com discalculia, essas ações cotidianas se tornam desafios quase intransponíveis. O transtorno, que afeta de 6% a 7% dos brasileiros em idade escolar, vai muito além de uma simples dificuldade com números, sendo um obstáculo que permeia diversas esferas da vida.

O que é a discalculia?

O reconhecimento da discalculia é um passo importante para a inclusão de pessoas com dificuldades de aprendizado na sociedade. | Foto: Reprodução/Canva
O reconhecimento da discalculia é um passo importante para a inclusão de pessoas com dificuldades de aprendizado na sociedade. | Foto: Reprodução/Canva

Discalculia é um transtorno específico de aprendizado que impacta diretamente a habilidade de entender e manipular números e conceitos matemáticos. Assim como a dislexia, que afeta a leitura e a escrita, a discalculia está relacionada ao neurodesenvolvimento e não pode ser corrigida apenas com aulas de reforço ou prática intensiva.

Larissa Pessoa, psicóloga de 26 anos, descobriu que sofria de discalculia apenas aos 18, quando se deparou com o termo em uma pesquisa na internet.

“Sempre tive dificuldade com números, mas na escola, os professores me classificavam como rebelde ou preguiçosa”, conta.

Ela concluiu o ensino médio por meio do Encceja e só então começou a entender as razões por trás de sua dificuldade.

Impacto na vida cotidiana

As dificuldades que pessoas com discalculia enfrentam vão além da sala de aula. Elas afetam a vida financeira, o trabalho e até mesmo atividades cotidianas simples, como seguir receitas ou entender a passagem do tempo.

Jenifer Mendes, publicitária de 36 anos, relata que já enfrentou situações embaraçosas ao errar o valor de compras. “Já achei que estava gastando R$ 100 e, na verdade, a conta era R$ 1.000. Nessas horas, o constrangimento é inevitável”, explica.

Ana Helena Guimarães, estudante de educação física, compartilha que encontrou maneiras de driblar algumas das dificuldades. “Uso sempre cartão de crédito para evitar lidar com troco e, nas provas da faculdade, foco nas questões que não envolvem cálculos para compensar”, afirma.

Causas e diagnóstico

De acordo com especialistas, a discalculia tem causas multifatoriais, envolvendo fatores genéticos, neurológicos e ambientais. Camila León, psicopedagoga e professora convidada da Associação Brasileira de Dislexia (ABD), destaca que o transtorno está ligado a disfunções nas áreas cerebrais responsáveis pelo processamento de habilidades matemáticas. “Estudos de neuroimagem mostram que há diferenças no funcionamento do lobo parietal, que controla habilidades espaciais e matemáticas”, explica.

O diagnóstico da discalculia é feito por uma equipe multidisciplinar, envolvendo psicólogos, pedagogos e médicos. Patrícia Abreu Pinheiro Crenitte, professora da USP (Universidade de São Paulo) de Bauru, enfatiza que o diagnóstico requer uma análise abrangente, que pode incluir testes de desempenho escolar e exames para descartar outras condições neurológicas.

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Sinais de alerta

Os sinais da discalculia variam de acordo com a faixa etária. Na educação infantil, as crianças podem apresentar dificuldade em aprender a contar ou reconhecer padrões simples. No ensino fundamental, problemas em memorizar operações básicas, como “4 + 2 = 6”, são comuns. Já em adolescentes e adultos, o impacto é mais notado em tarefas práticas, como calcular o troco ou gerir finanças pessoais.

Julia Beatriz Lopes Silva, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta que a identificação precoce é essencial. “Quanto mais cedo o transtorno for diagnosticado, mais cedo podemos ajudar o indivíduo a desenvolver mecanismos compensatórios”, afirma.

Convivendo com a discalculia

Apesar das dificuldades, muitas pessoas com discalculia encontram maneiras de viver com o transtorno. Isabela Aquino, estudante de artes visuais, diz que as pessoas frequentemente julgam quem tem dificuldades em entender números. “Muita gente acha que somos de outro mundo por não entender operações simples”, desabafa.

Para Larissa, a descoberta da discalculia trouxe um alívio e um novo entendimento sobre suas capacidades. “Hoje sei que minha dificuldade não é por falta de esforço. É algo com o qual nasci, e que faz parte de mim”, reflete.

O que pode ser feito?

Embora a discalculia não tenha cura, existem formas de amenizar seus impactos. Camila León explica que estratégias pedagógicas, como o uso de recursos visuais e lúdicos, podem ajudar no aprendizado. “Adaptações como o uso de calculadoras, tabelas e outros auxílios visuais podem facilitar o dia a dia dessas pessoas”, acrescenta.

Além disso, a conscientização sobre o transtorno é fundamental para reduzir o estigma que muitas pessoas com discalculia enfrentam. Patrícia Crenitte ressalta que, embora o transtorno seja genético e neurológico, fatores ambientais, como um ambiente escolar adequado, podem fazer a diferença. “Um ensino personalizado e o apoio emocional são essenciais”, conclui.

Caminho para o futuro

O reconhecimento da discalculia é um passo importante para a inclusão de pessoas com dificuldades de aprendizado na sociedade. A educação sobre o tema, tanto para professores quanto para a população em geral, é crucial para que os indivíduos com discalculia recebam o apoio necessário para superar os desafios diários.

Enquanto o conhecimento sobre a discalculia cresce no Brasil, histórias como a de Larissa, Jenifer e Ana Helena destacam a importância de empatia e compreensão. Afinal, para quem vive com discalculia, o simples ato de contar ou medir o tempo não é tão simples quanto parece.

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