Universidades do Reino Unido são acusadas de negligência; entenda

O Sindicato das Universidades e Faculdades (UCU, na sigla em inglês) denuncia que algumas instituições estão negligenciando o domínio do inglês para aceitar as altas taxas pagas pelos estudantes internacionais. Um professor revelou que, nos últimos anos, 70% dos alunos de mestrado que teve não possuíam um nível adequado de inglês.

A Universities UK, que representa 141 universidades, rejeita essas acusações e garante que há exigências rigorosas de proficiência linguística para os estudantes estrangeiros.

Universidades britânicas enfrentam acusações de negligência no ensino.
Universidades britânicas são acusadas de aceitar alunos sem inglês adequado por altas taxas. Entenda a crise e os desafios financeiros do setor |Foto: Reprodução/Freepik

Jo Grady, da UCU, que representa 120 mil professores e funcionários universitários, afirmou que é amplamente reconhecido que muitos estudantes sem conhecimentos adequados de inglês encontram maneiras de ingressar no Reino Unido. Ela mencionou que, ao conversarem com os membros da UCU, descobriram os métodos usados para fazer com que esses alunos passassem nos exames de idiomas e conseguissem acesso aos cursos.

Cerca de sete entre dez alunos de mestrado na Inglaterra são estrangeiros, um número significativamente maior do que o registrado em outros tipos de cursos superiores, segundo Rose Stephenson, do Higher Education Policy Institute, um grupo independente de especialistas em ensino superior.

Na Inglaterra, as taxas de matrícula para estudantes locais de graduação são limitadas a 9.250 libras (aproximadamente R$ 70,5 mil) por ano, com previsão de aumento para 9.535 libras (cerca de R$ 72,7 mil) em 2025-26. Cada nação do Reino Unido define seus próprios valores, mas não há um limite para as taxas de estudantes internacionais na Inglaterra.

Stephenson afirmou que as universidades podem cobrar dos estudantes estrangeiros quanto eles estiverem dispostos a pagar. As taxas de pós-graduação também não têm limites, e um mestrado em uma universidade de prestígio pode custar até 50 mil libras (aproximadamente R$ 380 mil).

Como as taxas pagas pelos estudantes nacionais na Inglaterra não acompanham a inflação, houve uma redução no financiamento das universidades em termos reais, de acordo com Stephenson, e, com isso, os estudantes internacionais estão, na prática, subsidiando as taxas mais baixas dos alunos locais.

Famílias ricas

Um ex-funcionário de uma empresa que ajuda estudantes internacionais a ingressar em universidades britânicas revelou que os agentes da empresa procuravam famílias com dinheiro para pagar as altas taxas de matrícula.

Ele contou que as universidades estavam cada vez mais desesperadas e aceitavam os planos da empresa sem questionar muito sobre como os estudantes eram encontrados.

O denunciante trabalhou no Study Group, uma das várias empresas que ajudam estudantes a entrar no sistema universitário do Reino Unido, cobrando por seus serviços.

O Study Group, com sede no Reino Unido, trabalha com mais de 50 universidades e tem 3.500 agentes em 99 países. A empresa nega as acusações, afirmando que os estudantes conquistam suas vagas por mérito e que as universidades, não o Study Group, decidem quem é aceito. A empresa também diz que os cursos que oferece são rigorosamente avaliados pelas universidades.

Uma estudante que pagou 16 mil libras (aproximadamente R$ 122 mil) por um curso de finanças na Inglaterra descobriu que a maioria de seus colegas compravam trabalhos de empresas que vendem redações, conhecidas como “fábricas de redação”, fora do Reino Unido. No Reino Unido, é ilegal que um estudante entregue um trabalho feito por outra pessoa.

Quando a estudante contou ao orientador, ele não fez nada. Agora, ela sente que seu mestrado foi “desvalorizado”.

Um professor de uma universidade do Grupo Russell, que prefere não ser identificado, concorda com as preocupações da estudante. Ele disse que, nos últimos cinco anos, 70% de seus alunos de mestrado não tinham inglês suficiente para acompanhar o curso. O professor precisou mudar sua forma de ensinar porque alguns alunos não conseguiam entender questões simples e usavam aplicativos de tradução durante as aulas.

Apesar disso, o professor não culpa os estudantes internacionais, que tentam fazer o seu melhor. Ele também comentou que a situação depende do curso. Os alunos passam porque muitos cursos são avaliados por tarefas, e não por exames. O professor explicou que alguns estudantes compram trabalhos prontos ou usam inteligência artificial para burlar o sistema antiplágio.

Crise financeira

Jo Grady, da UCU, diz que não é surpresa que alguns estudantes com inglês limitado precisem de ajuda extra ou até usem inteligência artificial para fazer seus trabalhos, considerando isso um “ato de desespero”.

Ela explica que o sindicato avisa as universidades que aceitar alunos com inglês insuficiente “não é uma boa ideia… eles terão dificuldades, e nós também teremos dificuldades para ensiná-los”.

Grady acredita que “os líderes universitários continuam fazendo isso por causa do dinheiro que recebem”. Ela destaca que algumas universidades estão enfrentando problemas financeiros e dependem dos estudantes internacionais que pagam altas taxas.

Ela também observa que “as universidades estão mais interessadas em dinheiro do que em escolher os melhores candidatos”, o que, para ela, vai contra os princípios do ensino superior.

Vivienne Stern, da Universities UK, rejeita a ideia de que as universidades aceitem estudantes com inglês fraco apenas para ganhar mais dinheiro. Ela defende que as universidades verificam cuidadosamente o nível de inglês dos candidatos, como exige o governo britânico.

Stern também diz que, embora os estudantes precisem ter condições de pagar as taxas, a aceitação é feita com base no mérito. Ela ressalta que “o sistema precisa ser confiável para todos”.

Ela explica que os estudantes internacionais escolhem as universidades britânicas pela sua qualidade e acha “arriscado” depender de dinheiro dos estudantes estrangeiros para financiar a educação, já que o número de estudantes pode variar por questões políticas ou mudanças nas taxas de câmbio.

Apesar disso, o número de estudantes internacionais caiu. Dados sobre vistos de estudante no Reino Unido mostram uma queda de 16% no primeiro semestre deste ano, o que afetou a receita de algumas universidades.

Essa queda é, em parte, devido às mudanças nas regras de visto, que agora restringem a entrada de dependentes de estudantes de pós-graduação. Isso contribuiu para a maior crise financeira das universidades desde a introdução das taxas.

No mês passado, o Office for Students (OfS), órgão regulador, previu que, até 2025-26, 72% das universidades podem gastar mais do que arrecadam, alertando que “precisamos agir rápido”.

O Departamento de Educação do Reino Unido reconheceu que a dependência de estudantes estrangeiros é um risco e disse que muitas universidades precisarão mudar seus modelos de negócios. O governo prometeu ajudar a gerenciar essa mudança.

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