A Amazônia colonial e seu papel econômico no comércio

No século XVIII, a região amazônica, conhecida na época colonial como Estado do Grão-Pará e Maranhão, ocupava um papel central no comércio internacional. Nessa época, folhas, frutos, cascas, raízes, óleos e resinas coletados na floresta amazônica, conhecidos como “drogas do sertão”, passaram a substituir temperos orientais.

Estes produtos da floresta, que incluíam cacau, salsaparrilha e puxuri, entre outros, transformaram-se em itens de alto valor comercial e de grande relevância para a economia da colônia. Eram produtos cobiçados que circulavam nos mercados europeus e impactavam diretamente a vida das comunidades amazônicas.

Amazônia Colonial: Produtos da floresta amazônica, como cacau, castanha-do-pará e pau-cravo, foram valorizados como substitutos das especiarias orientais, enriquecendo a economia e moldando o comércio internacional no século XVIII | Foto: Reprodução/Canva
Amazônia Colonial: Produtos da floresta amazônica, como cacau, castanha-do-pará e pau-cravo, foram valorizados como substitutos das especiarias orientais, enriquecendo a economia e moldando o comércio internacional no século XVIII | Foto: Reprodução/Canva

O papel do cacau e o valor da “moeda natural”

O cacau era uma das especiarias mais valorizadas da Amazônia, recebendo o nome de “Theobroma”, ou “alimento dos deuses”, dado pelo naturalista sueco Carl von Linné, também conhecido como Lineu. Na época, além de ser amplamente consumido, ele se destacava pelo valor econômico: o cacau era usado como moeda de troca, o que contribuía para movimentar a economia local.

De acordo com registros da época, o cacau era conhecido como “dinheiro da terra”, servindo como meio de pagamento em transações dentro da própria colônia e como item de exportação para a Europa. Estima-se que entre 1730 e 1755, cerca de 15 mil toneladas de sementes de cacau foram exportadas para o mercado europeu.

A Europa vivia um momento de expansão do consumo de chocolate. Embora o cacau fosse utilizado de maneira diferente pelos indígenas brasileiros, que consumiam sua polpa doce, os espanhóis já haviam introduzido na Europa uma bebida amarga à base de sementes de cacau torradas, o “chocolatl”, típica das culturas mesoamericanas.

Para suavizar o sabor, os europeus adicionavam especiarias como a baunilha, originária da floresta amazônica, que valorizava ainda mais o cacau. Assim, essa planta se tornou um dos principais produtos de exportação do Grão-Pará, gerando riqueza para a região e elevando seu status no comércio internacional.

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A importância estratégica de Belém e a ocupação territorial

No contexto do século XVII, Portugal enfrentava a concorrência de outros países europeus no comércio de especiarias, especialmente da Holanda. Além disso, a pressão geopolítica para ocupar o interior da colônia e estabelecer fronteiras com a Espanha no território americano era cada vez mais forte. Em 1616, para consolidar seu domínio na região amazônica, os portugueses fundaram a cidade de Belém, ponto de partida para expedições que exploravam o interior da floresta em busca de produtos de valor comercial.

Essas expedições eram longas e arriscadas. As canoas, essenciais para a navegação nos rios da Amazônia, eram carregadas com suprimentos como panos, ferramentas, aguardente e outros itens de troca que serviam como moeda para compensar os indígenas que trabalhavam nas viagens.

Para o sucesso dessa exploração, os portugueses contaram com o conhecimento e a tecnologia indígenas, especialmente no que diz respeito à navegação fluvial e à construção de embarcações adaptadas à rede de rios da Amazônia. Cada canoa podia ter entre 20 e 50 indígenas, que recebiam pagamento em varas de pano e outros itens de valor na época.

Diversidade de produtos e usos medicinais

Além do cacau, várias outras plantas nativas da Amazônia despertavam o interesse dos europeus. O pau-cravo, por exemplo, uma árvore com casca aromática similar ao cravo-da-índia, era utilizado tanto como tempero quanto como digestivo.

Outro produto importante foi o puxuri, conhecido como “noz-do-pará” que, com suas propriedades aromáticas e medicinais, era comparado à noz-moscada e utilizado como remédio para males gastrointestinais. A salsaparrilha e o óleo-resina de copaíba também faziam parte do repertório de especiarias exploradas, especialmente por suas propriedades medicinais.

Essas plantas tinham papel duplo: eram usadas na culinária e na medicina. A infusão das amêndoas de puxuri em aguardente, por exemplo, era usada para tratar problemas estomacais. Já a copaíba, conhecida como “bálsamo dos jesuítas”, tinha propriedades cicatrizantes e anti-inflamatórias, sendo amplamente usada no tratamento de feridas.

Essas práticas medicinais, originadas no conhecimento indígena, eram aproveitadas pelos jesuítas, que incorporavam os saberes locais às suas práticas de cura e, com isso, disseminavam o uso de plantas amazônicas para fins terapêuticos.

Trabalho indígena na exploração da floresta

A exploração das especiarias amazônicas, embora tenha levado à criação de rotas comerciais e à exportação desses produtos, dependia muito do trabalho dos povos indígenas. Os indígenas não apenas ofereciam seu conhecimento da floresta e suas técnicas de navegação, como também compunham a principal mão de obra nas expedições.

Embora houvesse legislação proibindo a escravização indígena, muitos eram submetidos a trabalho compulsório. Para garantir que colaborassem, os portugueses ofereciam presentes e incentivos como aguardente, sal, machados e anzóis, além do pagamento acordado em itens de troca.

A exploração de recursos e o impacto na floresta

A extração predatória de algumas espécies, como o pau-cravo, levou essas plantas a se tornarem ameaçadas de extinção. De acordo com estudos, hoje é raro encontrar pau-cravo na floresta amazônica, restando poucas populações nos estados do Pará.

Outras plantas, como a copaíba, a andiroba e o puxuri, continuam a ser exploradas comercialmente, e suas propriedades medicinais seguem sendo investigadas pela ciência. Estudos recentes, por exemplo, apontam que a casca-preciosa possui efeitos terapêuticos comprovados na área de gastroenterologia e cardiovascular.

Para os historiadores, a exploração das especiarias amazônicas no período colonial foi uma experiência econômica pioneira na região, embora o método predatório tenha prejudicado o equilíbrio ambiental e as populações indígenas.

Ainda hoje, as drogas do sertão mantêm sua importância tanto na medicina popular quanto na pesquisa científica, destacando-se o valor das plantas amazônicas para a ciência moderna e a saúde. Com isso, o legado econômico da floresta amazônica continua, e o reconhecimento de seu potencial pode significar novas oportunidades para a região no mercado mundial de produtos naturais e medicinais.

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