A Argentina vem enfrentando uma crise econômica profunda nos últimos anos, marcada por inflação galopante e depreciação do peso argentino. Quando o presidente libertário Javier Milei assumiu o governo em dezembro de 2023, a situação econômica já era crítica, com uma inflação mensal próxima a 13% e o dólar paralelo, chamado de “dólar azul”, valorizando-se a uma taxa alarmante. A promessa de Milei era estabilizar o cenário econômico por meio de uma política de cortes drásticos nos gastos públicos e um controle rígido da moeda.

Após dez meses de governo, os resultados começam a aparecer: a inflação foi reduzida para 3,5% ao mês, o nível mais baixo em três anos, e o dólar paralelo retornou a patamares de janeiro, trazendo certo alívio ao mercado.
No entanto, a estratégia de Milei divide opiniões. Enquanto seus apoiadores celebram as medidas como um caminho para a estabilidade, críticos argumentam que o controle é insustentável a longo prazo e que esconde um acúmulo de problemas estruturais.
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Cortes drásticos de gastos públicos
Desde o início de seu mandato, Milei adotou uma postura agressiva de redução de despesas. Em seu discurso, ele referiu-se a essa política como “o maior ajuste da história da humanidade”, e o principal foco de sua estratégia foi atacar o déficit fiscal.
Logo no primeiro mês de governo, Milei implementou um corte de um terço nos gastos públicos, o que resultou em uma significativa diminuição da emissão de moeda. O déficit, que anteriormente girava em torno de 4,6% do PIB, começou a ser substituído por um excedente fiscal.
Esse ajuste foi possível graças a uma série de reformas que incluíram a eliminação de subsídios e cortes em programas sociais, o que impactou diretamente a população mais vulnerável e elevou as taxas de pobreza. Apesar disso, Milei e seus apoiadores mantêm que os cortes são um “mal necessário” para garantir a estabilidade econômica.
Redução de passivos do Banco Central
Outro pilar da estratégia de Milei para conter a inflação foi a reestruturação da dívida do Banco Central, que, segundo seu assessor econômico, Miguel Boggiano, estava “engolindo” recursos do país.
Para lidar com esse problema, o governo reduziu as taxas de juros pagas pelos passivos remunerados – uma forma de dívida de curto prazo que o Banco Central mantém com os bancos – e promoveu uma desvalorização do peso, trazendo o câmbio oficial para perto do câmbio paralelo.
Esse ajuste ajudou a aliviar a pressão sobre o peso argentino e controlar a emissão de moeda, considerada uma das principais causas da inflação na Argentina. Contudo, esse tipo de estratégia levanta preocupações quanto ao impacto a longo prazo, pois críticos apontam que, embora os passivos remunerados tenham sido reduzidos, o Banco Central continua com uma dívida crescente que pode ser prejudicial no futuro.
Impacto na população e desafios econômicos na Argentina
Embora Milei tenha conseguido avanços significativos no controle da inflação e do dólar, as condições econômicas da população não melhoraram de maneira uniforme. Dados oficiais indicam que a pobreza atingiu níveis alarmantes, com mais de 53% da população vivendo em situação de pobreza e quase 70% das crianças em condições vulneráveis. Além disso, o consumo interno despencou e o PIB sofreu uma queda de 3,4% no primeiro semestre de 2024 em comparação ao mesmo período do ano anterior.
O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) projetam que a Argentina será a economia latino-americana com a maior contração econômica este ano. Mesmo assim, Milei mantém o discurso otimista de que suas políticas são necessárias para corrigir os “erros” dos governos anteriores e estabilizar a macroeconomia.
Críticas e a sustentabilidade do plano
A oposição política, liderada por figuras como a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner, alerta para os riscos de colapso do plano econômico de Milei. Um dos pontos mais questionados é o uso de títulos do Tesouro – conhecidos como Lecap e LEFI – para manter o superávit fiscal. Esses títulos permitem que o governo adie pagamentos de juros e capital, o que, segundo o ex-assessor de Milei, Carlos Rodríguez, cria uma “bolha” de dívida que pode explodir no futuro.
Kirchner afirmou em suas redes sociais que Milei estaria apenas transferindo a dívida para o futuro, aumentando os juros a serem pagos pelo governo. Os críticos argumentam que essa prática, embora crie uma impressão de estabilidade fiscal, apenas oculta o déficit e aumenta a dívida pública. Rodríguez chegou a descrever a estratégia de Milei como uma “mágica” para esconder o déficit, o que poderia gerar uma nova crise econômica no país.
Perspectivas para 2025
Milei está confiante de que conseguirá manter sua política de “déficit zero” e reduzir a inflação, como prometido durante sua campanha. Para o próximo ano, o governo projeta uma queda na inflação anual para 18,3%, enquanto o FMI projeta uma desaceleração mais conservadora, prevendo que o índice chegará a 140%. As metas de Milei, portanto, são vistas com cautela pelo mercado, que receia que uma nova crise possa ocorrer caso o governo não consiga sustentar o equilíbrio fiscal.
No entanto, Milei defende que suas políticas são o único caminho possível para retirar o país da crise e cita os números mais recentes como provas do sucesso de seu governo. O dólar paralelo, que serve como indicador da confiança do mercado no governo, voltou ao patamar inicial após um período de alta preocupante. Muitos argentinos, como Matías, um torcedor do Boca Juniors, manifestaram apoio ao governo nas redes sociais, destacando que com o dólar mais estável, as despesas com aluguel e outras necessidades básicas não sofreram reajustes.
A estratégia de Milei para conter a inflação e estabilizar o dólar teve efeitos imediatos, mas enfrenta desafios em termos de sustentabilidade. Enquanto alguns comemoram a desaceleração da inflação e a estabilidade do dólar, as críticas à forma como o superávit foi alcançado e o aumento da dívida do governo são questões que podem comprometer a economia argentina a longo prazo. Milei e seus apoiadores acreditam que a disciplina fiscal é a chave para o sucesso, mas muitos ainda questionam até onde essas medidas poderão manter a economia sob controle.
Com um cenário econômico complexo, a Argentina vive um momento de redefinição política e econômica. O próximo ano será crucial para determinar se o país conseguirá sustentar o crescimento econômico e reduzir a inflação, ou se precisará de novos ajustes para evitar uma nova crise.