As ações de empresas na Alemanha se destacam entre os mercados acionários da Europa nesta segunda-feira, 24 de fevereiro. O movimento de alta foi impulsionado pelo resultado da eleição federal realizada no domingo, 23 de fevereiro, que deu vitória ao principal bloco conservador do país, a União Democrata-Cristã (CDU), liderado por Friedrich Merz. O resultado trouxe otimismo para o mercado financeiro, que passou a precificar possíveis mudanças na política econômica da maior economia europeia.
O índice pan-europeu STOXX 600, que reúne as principais ações da região, registrava uma alta de 0,22%, atingindo 555,08 pontos. Entre os setores que mais se valorizaram, destacavam-se o setor imobiliário e o setor de serviços públicos, ambos com ganhos superiores a 1,5%. Esse avanço reflete a confiança dos investidores em uma possível estabilidade econômica e em políticas que favoreçam o crescimento dessas áreas.
Na Alemanha, o índice DAX, que acompanha as principais ações do país, apresentava um salto de quase 1%. O movimento foi liderado por fabricantes de armamentos, que tiveram um forte avanço em suas ações. Empresas do setor de defesa, como Rheinmetall, Hensoldt e Renk, registravam ganhos entre 3,3% e 4,3%.
Esse aumento ocorreu porque o novo governo alemão pode elevar os investimentos militares, o que beneficiaria diretamente essas companhias. Além disso, o índice europeu de empresas do setor aeroespacial e de defesa também acompanhava essa tendência, com uma valorização de 0,9%.
Friedrich Merz, o líder conservador que saiu vitorioso nas eleições, parece estar a caminho de se tornar o próximo chanceler da Alemanha. No entanto, para assumir o cargo, ele precisará formar uma coalizão com outros partidos, um processo que pode se tornar complexo.
O partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) obteve um resultado histórico ao conquistar o segundo lugar na votação, o que pode dificultar as negociações para a formação de um governo estável.
Os analistas do mercado financeiro estão atentos a essas negociações, pois um processo prolongado pode atrasar a implementação de medidas econômicas essenciais para a recuperação do país. A Alemanha enfrenta desafios como a necessidade de reformas fiscais e o aumento dos gastos públicos para estimular a economia, que vem passando por dificuldades nos últimos dois anos.
Lale Akoner, analista-chefe de mercado global da eToro, destacou que a principal preocupação dos investidores no momento é o tempo necessário para a formação da coalizão governamental. “O mercado continua processando as informações e tentando avaliar se a nova coalizão conseguirá implementar políticas favoráveis ao crescimento econômico”, afirmou em entrevista à Reuters.
Por outro lado, nem todos os setores estavam em alta. O segmento de recursos básicos registrava uma queda de 0,7%, influenciado pela desvalorização dos preços dos metais. Esse movimento foi causado pelos receios de uma possível guerra comercial global, após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçar elevar tarifas de importação. A incerteza em relação ao comércio internacional tem impactado a demanda por commodities, afetando o desempenho das empresas ligadas à mineração e produção de metais.
O cenário europeu segue sendo influenciado por fatores políticos e econômicos, e os investidores continuarão atentos às movimentações do novo governo alemão, assim como às decisões tomadas em nível global que possam afetar o mercado financeiro.
O que houve com a economia alemã?
No final da década de 1940, a economia da Alemanha começou a crescer rapidamente, em um período chamado de “milagre econômico”. Isso aconteceu graças a investimentos em oleodutos e reatores nucleares, que permitiram ao país acessar petróleo da Noruega e gás da Rússia.
Com o tempo, a economia alemã passou a depender bastante de três setores principais: a indústria automobilística, os produtos químicos e as máquinas de engenharia mecânica.
Anos depois, outro avanço econômico aconteceu. Isso foi possível porque o país fez reformas trabalhistas para manter os salários sob controle, utilizou gás barato da Rússia e melhorou a logística de transporte marítimo e de contêineres.
Esse modelo impulsionou a demanda por produtos industriais alemães em países que estavam crescendo rapidamente, como China e Índia. Graças a isso, mesmo tendo uma população de 85 milhões dentro da União Europeia (UE), a Alemanha conseguiu ter uma economia 20% maior que a do Reino Unido, que era a segunda maior economia do bloco.
No entanto, a economia alemã enfrenta dificuldades hoje e deve continuar estagnada no primeiro trimestre de 2025, após dois anos seguidos de queda, segundo o Banco Central da Alemanha (Bundesbank).
Para entender essa crise atual, é preciso olhar para o passado recente. Nos anos 2010, a Alemanha ficou ainda mais dependente do gás russo, reduziu investimentos em internet de fibra óptica e tecnologia digital e focou suas riquezas nas exportações.
Com isso, o país ganhou o título de “campeão mundial de exportações” (Exportweltmeister), tendo a China como um dos principais parceiros comerciais. Esse sucesso dependia do fornecimento de gás russo barato para manter suas indústrias funcionando de maneira eficaz.
Mas esse modelo também tinha seus riscos. Enquanto outros países ocidentais modernizaram suas economias e passaram a focar em serviços, a Alemanha continuou apostando na indústria pesada. Assim, ficou ainda mais dependente dos carros, produtos químicos e máquinas industriais.
Nos últimos anos, quatro grandes eventos abalaram esse modelo econômico:
- Brexit – A saída do Reino Unido da União Europeia afetou as relações comerciais.
- Guerra comercial com os EUA – Durante o governo Trump, tarifas foram impostas a produtos alemães.
- Guerra na Ucrânia – A invasão da Rússia cortou o fornecimento de gás barato para a Alemanha.
- Ascensão da China – O país, antes um grande cliente da Alemanha, virou um concorrente forte.
A política internacional se tornou um fator decisivo para o futuro econômico da Alemanha. Para se adaptar a esse novo cenário, a solução está na tecnologia.
No entanto, o país tem dificuldades nesse setor. A Alemanha possui uma das piores redes de celular da Europa, ainda usa fax no Exército e em consultórios médicos, e muitos estabelecimentos só aceitam dinheiro em cédulas. Além disso, não lidera avanços em inteligência artificial.
Outra grande falha foi a insistência na indústria automotiva tradicional. Enquanto empresas como Tesla e montadoras chinesas passaram a dominar o mercado de veículos elétricos, a Alemanha continuou focada em carros movidos a combustíveis fósseis.
Hoje, os consumidores preferem tecnologia digital nos carros, e a indústria alemã não acompanhou essa mudança. A Volkswagen, maior empregadora do setor privado no país, cogita fechar fábricas na Alemanha pela primeira vez em 87 anos.
Para sair dessa crise, grandes investimentos são necessários. Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, estima que a Europa precisaria de um plano de investimentos de 800 bilhões de euros por ano para reaquecer a economia.
Se esses investimentos forem feitos, a indústria alemã poderá se modernizar e a economia voltará a crescer. Por isso, as eleições na Alemanha são acompanhadas de perto, pois qualquer mudança no rumo da economia europeia dependerá das decisões da maior potência do continente.
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