Receber uma estrela Michelin é um sonho para muitos chefs e restaurantes. A conquista, que reconhece excelência gastronômica e eleva a reputação dos estabelecimentos, pode parecer o auge do sucesso no mundo da culinária.
No entanto, esse prestígio pode ter um custo alto, e muitos restaurantes que alcançam tal reconhecimento acabam fechando suas portas pouco tempo depois. Um estudo recente publicado no Strategic Management Journal sugere que ganhar uma estrela Michelin pode, paradoxalmente, aumentar a probabilidade de um restaurante encerrar suas atividades.
Por que a estrela Michelin pode ser um desafio?
O reconhecimento do Guia Michelin, criado há mais de um século para promover o turismo e, indiretamente, o uso de automóveis, tornou-se o selo máximo de qualidade e inovação culinária. Contudo, o estudo conduzido por Daniel Sands, da University College London, revela que, entre os restaurantes que receberam estrelas Michelin em Nova York de 2005 a 2014, cerca de 40% encerraram suas operações até o final de 2019.
O motivo? O aumento das expectativas e, consequentemente, dos custos. Quando um restaurante entra para o seleto grupo dos estrelados Michelin, há uma elevação imediata no fluxo de clientes. Turistas e gourmets de todo o mundo se deslocam para experimentar a experiência premiada, o que gera um incremento nas demandas de atendimento e logística. Esse crescimento súbito e muitas vezes inesperado pode desestabilizar o equilíbrio financeiro do negócio.
Além disso, a pressão para manter o alto nível de serviço e gastronomia leva a um aumento nos custos operacionais. O restaurante precisa investir mais em ingredientes premium, treinamento de equipe e, muitas vezes, em reformas para acomodar melhor o público crescente. Fornecedores, e até mesmo proprietários de imóveis, podem aumentar os preços ao perceberem que estão lidando com um restaurante “da moda” que pode pagar mais devido à sua popularidade.
O exemplo do Noma: sucesso e reinvenção
Um dos casos mais notáveis é o do restaurante dinamarquês Noma, considerado repetidamente o melhor do mundo e que, mesmo assim, anunciou o encerramento de suas atividades como restaurante no final de 2024. O chef René Redzepi, responsável pelo Noma, disse ao The New York Times que o modelo tradicional de restaurante não é mais sustentável. “Temos que repensar completamente a indústria. Isso é simplesmente muito difícil e temos que trabalhar de uma maneira diferente”, declarou.
O Noma irá se transformar em um laboratório gastronômico, o Noma Projects, focado na criação de novos pratos e produtos que serão vendidos em restaurantes pop-up pelo mundo. Essa decisão de mudar o formato de negócio reflete a complexidade de se manter um restaurante de alta gastronomia no atual cenário econômico e social.
O impacto financeiro das estrelas
A obtenção de uma estrela Michelin, além do prestígio, pode representar um verdadeiro dilema para os proprietários de restaurantes. Em muitos casos, o aumento na receita não acompanha o crescimento proporcional dos custos. Os chefs e empresários que gerenciam esses estabelecimentos precisam equilibrar a demanda por inovação e qualidade, sem comprometer a sustentabilidade financeira.
Segundo o estudo, alguns restaurantes tentam compensar esses custos elevados com o aumento dos preços dos pratos. No entanto, essa estratégia pode afastar os clientes locais, que antes frequentavam o local, criando um ciclo insustentável de altos e baixos.
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Estrela Michelin no Brasil
O Guia Michelin retornou ao Brasil em 2024, após quatro anos sem edições, com a inclusão de novos restaurantes no seleto grupo dos estrelados. São Paulo e Rio de Janeiro abrigam agora 21 restaurantes com uma ou duas estrelas e três restaurantes com a estrela verde, que reconhece práticas sustentáveis. Entre os novos integrantes, estão estabelecimentos como Evvai e Fame Osteria, ambos em São Paulo, e Lasai, no Rio de Janeiro.
A entrada no Guia é motivo de comemoração, mas também de cautela. Chefs como Alex Atala, do D.O.M., que mantém duas estrelas, e Felipe Bronze, do ORO, que possui o mesmo número de estrelas no Rio de Janeiro, sabem que o desafio de manter a consistência e a qualidade pode ser uma faca de dois gumes. O aumento da exposição gera um fluxo de novos clientes, mas também eleva as expectativas e pressões por inovação e excelência.
As consequências de uma estrela Michelin
Além dos custos financeiros, o impacto psicológico nas equipes também é relevante. Chefs e funcionários são colocados sob enorme pressão para manter o status e evitar críticas negativas, o que pode levar a problemas de saúde mental e burnout.
Os dados apresentados pelo estudo indicam que, em muitos casos, os proprietários optam por fechar os restaurantes para preservar sua saúde mental e a qualidade de vida de suas equipes, mesmo quando os negócios estão financeiramente saudáveis.
Embora uma estrela Michelin seja sinônimo de prestígio e reconhecimento, ela traz consigo desafios significativos. A pressão para manter o alto padrão, a necessidade de inovação constante e os custos crescentes podem transformar o sonho em um pesadelo. A história do Noma e de outros estabelecimentos ao redor do mundo serve como um lembrete de que o sucesso deve ser equilibrado com sustentabilidade e bem-estar.
Para os restaurantes brasileiros que ingressaram no Guia Michelin 2024, o desafio está lançado: manter a excelência sem comprometer a viabilidade financeira e a saúde de suas equipes. O sonho de uma estrela Michelin pode ser uma faca de dois gumes, e a resposta para o sucesso talvez resida em saber equilibrar prestígio e sustentabilidade.