Habitat 67, o complexo residencial de Montreal, no Canadá, projetado por Moshe Safdie para a Expo 67, é o que chamam de obra-prima da arquitetura moderna. O projeto é caracterizado por um sistema modular, onde blocos habitacionais se empilham em formas geométricas incomuns, oferecendo espaços funcionais e esteticamente inovadores. Mas, o que muitos não sabem é que essa concepção de arquitetura ousada tem eco em diversas construções brasileiras, especialmente nas periferias.
Se você nunca ouviu falar sobre Habitat 67, ele é um dos projetos mais ousados do século XX, pois propõe um novo conceito de moradia urbana. A ideia central era desafiar os padrões convencionais de habitação e criar espaços que ofereçam qualidade de vida ao mesmo tempo em que aproveitam o máximo de espaço disponível, uma necessidade bastante comum em áreas densamente habitadas. Aqui no Brasil, encontramos uma versão similar, embora informal e não planejada, nas periferias e favelas do país.
O reflexo do Habitat 67 nas construções brasileiras
Nas periferias do Brasil, a arquitetura improvisada e modular das favelas e comunidades reflete, de certa forma, o conceito de Habitat 67. Moradias são construídas em espaços limitados, muitas vezes empilhadas umas sobre as outras, utilizando os terrenos de maneira extremamente eficaz. Embora a falta de planejamento urbano seja um problema evidente, o espírito inovador de aproveitar pequenos espaços para múltiplas funções é algo que se assemelha à proposta de Safdie em sua obra.
Os brasileiros, diante da necessidade e da escassez de recursos, constroem moradias que, à sua maneira, desafiam os padrões tradicionais. Essa arquitetura popular, apesar de não ser reconhecida oficialmente, transforma a paisagem urbana e cria soluções para a crise habitacional, especialmente nas grandes cidades. Assim como o Habitat 67, que trouxe uma nova visão sobre como viver em cidades, as periferias brasileiras também representam uma inovação arquitetônica, embora marcada pela desigualdade social.
Impacto econômico e social
O modelo de moradias improvisadas nas periferias não apenas reflete uma adaptação do conceito de Habitat 67, mas também tem um impacto significativo na economia. A construção dessas habitações gera emprego, ainda que informal, movimentando setores como a construção civil e o comércio de materiais de construção. Em muitas favelas, empreendedores locais se beneficiam do crescimento dessas áreas, criando mercados, lojas de construção e prestando serviços aos moradores.
A urbanização informal, porém, também acarreta desafios econômicos. A falta de infraestrutura adequada, saneamento básico e serviços públicos cria um fardo adicional para o Estado que precisa fornecer suporte para áreas que crescem rapidamente e sem planejamento. Isso gera custos elevados para o governo, que precisa regularizar esses territórios, além de garantir a segurança dos moradores.
Ao mesmo tempo, essa urbanização improvisada revela o potencial econômico das periferias. Pequenos negócios e redes de comércio se consolidam nessas regiões, movimentando a economia local. A informalidade das construções acaba gerando oportunidades para microempreendedores que trabalham no setor de construção e reformas, movimentando um mercado paralelo, mas essencial para essas comunidades.
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“É difícil ver um lugar exatamente igual à periferia que cresci, ser taxado como algo inovador. Aqui no Brasil, quem mora nesses ‘lugares inovadores’ são discriminados, mas o que mudaria se morássemos em outro país? Seríamos pessoas incríveis?”, instiga um empreendedor preto de São Matheus, periferia de São Paulo.
Habitação popular e inovação arquitetônica
Enquanto o Habitat 67 foi pensado como um projeto de habitação social para a classe média, nas periferias brasileiras a inovação arquitetônica surge como uma necessidade, não como uma escolha de design. A busca por uma moradia acessível leva as pessoas a criarem soluções próprias para lidar com a escassez de espaço e recursos. Isso é algo que vai ao encontro do espírito do Habitat 67 que propõe soluções habitacionais inovadoras para resolver os problemas urbanos.
Além disso, a arquitetura periférica brasileira também apresenta características únicas de sustentabilidade. Em muitos casos, os moradores reutilizam materiais de construção, adaptam estruturas existentes e criam sistemas improvisados de captação de água e eletricidade. Esse tipo de construção acaba por ser um exemplo de resiliência e criatividade diante das adversidades.
A discussão sobre o Habitat 67, tomou conta das redes sociais e grande parte dos internautas desaprovam a construção: “Elitizaram a favela?”, diz um dos comentários. Em outros vemos grandes discussões sobre a estética ser chamada de arquitetura moderna. “Eu cresci em lugares assim, mas nunca me disseram que era uma arquitetura moderna não”, reflete um economista no post.
O papel do Estado e da sociedade
A arquitetura periférica, muitas vezes inspirada no conceito modular de projetos como o Habitat 67, levanta questões sobre o papel do Estado e da sociedade na promoção de habitações dignas para todos. No Brasil, o déficit habitacional ainda é um grande problema. Segundo dados da Fundação João Pinheiro, o país tem cerca de 5,9 milhões de domicílios em situação de inadequação habitacional. Isso mostra que, apesar da capacidade de inovação popular, há uma necessidade urgente de políticas públicas que promovam o acesso à moradia de qualidade.
Projetos de habitação popular que dialoguem com essa realidade arquitetônica já são uma tendência crescente em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. O “Minha Casa Minha Vida”, por exemplo, busca oferecer moradias planejadas, mas muitas vezes esbarra em desafios econômicos e sociais. Iniciativas que combinam inovação arquitetônica, como o Habitat 67, com as necessidades reais da população podem ser uma solução eficaz para o futuro das habitações nas grandes cidades brasileiras.
O Habitat 67 encontrou reflexo nas periferias brasileiras, onde a arquitetura também se desenvolve em torno de necessidades práticas. Embora as condições sejam bastante distintas, a essência de reaproveitamento de espaços limitados e soluções criativas para moradia são características compartilhadas. Esse fenômeno não apenas transformará a paisagem urbana das grandes cidades, mas também impacta a economia local e o mercado imobiliário informal.