A China está reforçando sua aposta na inovação tecnológica após o sucesso global do mais recente modelo de inteligência artificial da DeepSeek. Em resposta, as autoridades econômicas chinesas anunciaram a criação de um fundo de orientação de capital de risco estatal, focado em impulsionar setores estratégicos como inteligência artificial, computação quântica e armazenamento de energia por hidrogênio.
Em entrevista coletiva à mídia estatal chinesa na última quinta-feira, 6 de março, Zheng Shanjie, presidente da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, destacou que o fundo tem a expectativa de atrair quase 1 trilhão de yuans (aproximadamente R$ 800 bilhões) em investimentos ao longo das próximas duas décadas, combinando recursos do governo local e do setor privado.
O objetivo é consolidar a China como líder global em tecnologia e inovação, mesmo diante das restrições impostas pelos Estados Unidos ao fornecimento de chips avançados para o país.
A DeepSeek se destacou no cenário internacional com seu modelo de linguagem R1, que surpreendeu o mercado ao alcançar níveis de desempenho comparáveis aos do GPT-4 da OpenAI e do Gemini do Google, mas a um custo significativamente menor. A empresa conseguiu esse feito utilizando chips de IA menos avançados, desafiando as barreiras tecnológicas impostas pelo governo norte-americano.
Zheng adotou um tom desafiador ao abordar as restrições tecnológicas dos EUA, afirmando que as medidas de bloqueio apenas aceleraram o avanço da inovação independente na China. Segundo ele, áreas como microchips, robótica e modelos de IA já apresentam avanços significativos, tornando real o que antes era apenas ficção científica.
Em linha com essa estratégia, o premiê chinês Li Keqiang reafirmou o compromisso do governo em fortalecer indústrias emergentes, incluindo biofabricação, tecnologia 6G e IA incorporada. A criação de novos mecanismos de financiamento visa garantir que a China continue avançando na fronteira tecnológica global, consolidando sua posição como um dos principais polos de inovação do mundo.
Expansão do consumo
Depois de anos focando no avanço tecnológico e deixando de lado o consumo interno, o governo chinês agora busca equilibrar essas duas áreas. Os líderes do país estão mais empenhados em incentivar a demanda dentro da China, tornando isso uma prioridade na política econômica.
Zheng Shanjie, uma das principais autoridades econômicas, anunciou que Pequim lançará em breve um “plano especial para estimular o consumo”. Em 2023, mesmo com medidas adotadas em setembro, o crescimento da economia veio principalmente das exportações, fazendo com que a China atingisse um superávit comercial recorde de quase US$ 1 trilhão (R$ 5,79 trilhões).
O aumento das exportações gerou conflitos com os Estados Unidos. Em resposta, o então presidente Donald Trump decidiu dobrar as tarifas sobre produtos chineses, subindo para 20% nesta semana.
O consumo interno da China foi responsável por apenas 39% do PIB em 2023, segundo o banco de investimentos Macquarie Group. Para comparação, esse número foi de 49% na Coreia do Sul, 55% no Japão e 68% nos Estados Unidos, países onde a poupança já é alta.
Diante da incerteza no mercado externo, Pequim quer fortalecer sua economia de dentro para fora. Economistas do HSBC (banco global britânico fundado), liderados por Jing Liu, afirmaram que o governo chinês está adotando medidas especiais para impulsionar o consumo.
Como parte desse plano, o premiê Li Keqiang anunciou um aumento no déficit orçamentário para 4% do PIB, o maior nível em décadas. O governo também aumentará em mais de 25% a emissão de títulos públicos, chegando a 6,2 trilhões de yuans (R$ 4,96 trilhões), que serão divididos entre o governo central e os governos locais.
Investimento e infraestrutura
As autoridades locais usarão esses recursos para investimentos em infraestrutura e apoio ao setor imobiliário. Já o governo central destinará cerca de 300 bilhões de yuans (R$ 240,09 bilhões) para um programa que incentiva a renovação de bens de consumo, oferecendo subsídios para a troca de carros e eletrônicos antigos por modelos novos.
Outro grande desafio do governo é revitalizar o setor privado, essencial para a inovação do país. No mês passado, o presidente Xi Jinping reuniu os principais executivos do setor de tecnologia e afirmou que este é o “momento ideal” para que as empresas privadas cresçam e se desenvolvam.
Hoje, as empresas privadas representam mais de 60% do PIB chinês e geram mais de 80% dos empregos. No entanto, muitas ainda sentem os efeitos de mais de três anos de regulamentações rígidas.
Para garantir mais segurança jurídica às empresas, a Lei de Promoção da Economia Privada será discutida nas reuniões políticas anuais da China. Yang Decai, diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Privada da Universidade de Nanquim, afirmou que essa nova legislação protegerá os direitos de propriedade e promoverá uma concorrência mais justa.
“Essa medida ajuda a resolver preocupações do setor privado e aumenta a confiança das empresas, o que é essencial para a estabilidade econômica da China”, disse Yang em um evento no Grande Salão do Povo, em Pequim.
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