Somos uma nação de endividados

Precisamos conversar sobre esse assunto que mexe tanto com o bolso e com as nossas emoções

O princípio é bem simples: não se deve gastar mais do que se ganha. Certo? Mas como diz o ditado: “falar é fácil, colocar em prática… São outros quinhentos”. Para a maioria de nós, trabalhadores brasileiros, é um tanto conturbada essa relação entre o que cai na conta todo mês e a enorme lista de gastos essenciais. 

Os boletos não param de chegar: contas de água, luz, internet, aluguel, prestação do carro, da TV, da geladeira. Os preços no supermercado, farmácia, postos de combustíveis e até no transporte público não param de subir. Diante disso, o salário parece encolher cada vez mais. 

Ninguém gosta de ficar devendo, com nome sujo na praça. Para muitos, é motivo de vergonha. Não querem nem tocar no assunto. Algumas pessoas acham até que ter dívidas é sinônimo de fracasso. 

Calma, não é bem assim! 

Talvez você não saiba, mas cerca de oito em cada dez famílias brasileiras estavam endividadas em 2023. A taxa anual fechou em 77,8%, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic).

A apuração feita pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostrou que, em média, 30% da renda das famílias estava comprometida com o pagamento de dívidas. 

Estamos falando de financiamentos de imóveis e veículos, por exemplo, empréstimos e parcelamento de compras. O problema não está no endividamento em si, mas na inadimplência. E quem mais sofre com ela são as famílias de baixa renda. Quanto menor o rendimento, maior é a vulnerabilidade às variações da economia, especialmente das taxas de juros e da inflação.

Nome sujo

Ao todo, 73,42 milhões de brasileiros estavam em situação de inadimplência, em abril de 2024, de acordo com pesquisa mensal produzida pela Serasa. Isso representa 44,62% da população, ou seja, se você tem contas atrasadas, você não está sozinho.

Os brasileiros com idades entre 41 e 60 anos representam a maior fatia da população com nome restrito, com 35,1%. Na sequência estão as faixas etárias de 26 a 40 anos (34,0%), acima de 60 anos (18,9%) e, por último, os jovens entre 18 e 25 anos (11,9%).

Fonte: Reprodução/Serasa – abril 2024

O cartão de crédito aparece em primeiro lugar entre os segmentos em que os brasileiros têm mais contas em atraso, segundo o Mapa de Inadimplência e Negociações de Dívidas no Brasil. Depois, aparecem as contas básicas como água, luz e gás e, na sequência, os empréstimos com instituições financeiras.

Fonte: Reprodução/Serasa – abril 2024

Falar sobre dinheiro ainda é um tabu

“Na nossa cultura, o dinheiro está muito atrelado ao sucesso. Portanto, há uma percepção de que se você tem dívidas, logo você está passando um atestado de incompetência”, afirma Valéria Meirelles, doutora em Psicologia Clínica com ênfase em Psicologia do Dinheiro. Ela explica que, muitas vezes, as pessoas acabam se endividando para adquirir bens que garantam status e prestígio social, para ter a sensação de ser bem sucedido. 

A estratégia, porém, pode ter o efeito contrário: em vez de melhorar a autoestima, a pessoa passa a duvidar da sua capacidade e a sentir vergonha. 

Valéria afirma que os impactos do endividamento e da inadimplência variam muito de acordo com a classe social e a faixa de renda. “Vivemos numa sociedade altamente desigual. Nas camadas mais pobres, há muitas famílias que usam o crédito pessoal ou cartão de crédito para pagar despesas básicas, para ter o que comer. Há casos também em que a população de baixa renda faz dívidas para comprar bens que proporcionem o mínimo de conforto.”. 

Não podemos esquecer daqueles que não se preocupam tanto. O clássico “devo, não nego, pago quando puder”. 

Também é muito comum “emprestar o nome” para um amigo ou parente fazer compras parceladas ou empréstimos, não receber o dinheiro e acabar sendo “negativado”.

“Nos meus estudos acadêmicos, desde 1994, e na rotina como terapeuta, vejo a confirmação de que a família é o maior valor do brasileiro: ‘em nome da família, fazemos tudo'”, diz ela. “Por isso, em muitos casos, as pessoas não conseguem dizer ‘não’ a um familiar que precisa de dinheiro.”

Ninguém sai dessa sozinho 

O superendividamento pode ter consequências graves para a saúde mental, nos relacionamentos e no trabalho. Gera muita angústia e preocupação, o que pode desencadear quadros de ansiedade, depressão e até suicídio.

“O primeiro passo é pedir ajuda. Falar com alguém próximo que possa te ajudar a enxergar soluções. Pois, isso mexe muito com as nossas emoções e, geralmente, o mega endividado já não consegue mais analisar a situação racionalmente”, afirma a psicóloga. 

Depois, você deve colocar todas as dívidas no papel, e avaliar o que é prioridade. As contas que tiverem juros mais altos, como cartões de crédito, por exemplo, devem ser pagas primeiro. 

Outro passo importante, segundo Valéria Meirelles, é engajar todos na família. Faça uma lista com todos os gastos, veja o que pode ser cortado ou reduzido, converse com o seu parceiro ou parceira e com seus filhos para juntos criarem estratégias de como economizar. 

Outras armadilhas 

A família tem um papel importante na educação financeira das crianças e adolescentes. É dentro de casa que a maioria de nós aprende a “lidar com dinheiro”. Eu me lembro muito bem

da caderneta que minha mãe tinha para anotar todas as despesas fixas da casa, os nossos gastos eventuais, as compras parceladas e prestações. 

Também dá para aprender a administrar melhor o seu rico dinheirinho com cursos online e gratuitos como o de Gestão de Finanças Pessoais, do Governo Federal. 

Vale lembrar que a falta de controle financeiro é só um dos motivos para o endividamento. Diminuição da renda (18%), imprevistos como problemas de saúde, morte, manutenção da casa ou do carro (17%), perda do emprego ou alguém da família que ficou desempregado (14%) e a alta dos preços (13%) também estão entre as principais causas da inadimplência no Brasil, de acordo com o levantamento realizado, em 2023, pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em parceria com a Offerwise Pesquisas. 

E é sobre esse assunto que vamos falar nas próximas semanas, aqui na coluna: Como as taxas de juros e inflação afetam nosso bolso? Imprevistos podem acontecer, o que devemos fazer para nos proteger? Crédito fácil e muito caro, como identificar e fugir dessa armadilha? Não perca!

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