Ação do Ministério Público pedia a reformulação das regras de apuração das quedas de avião
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, considerou válidos trechos do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) que tratam da restrição de acesso e do uso de informações sobre investigações de acidentes aéreos. Para os ministros, essas regras seguem padrões adotados em diversos países e não visam à responsabilização de eventuais culpados, mas objetivam evitar novos acidentes e salvar vidas.
O que estava em julgamento no STF eram as alterações feitas pela Lei 12.970/2014 em trechos do CBA que tratam do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer), responsável por apurar esse tipo de acidente para identificar fatores que tenham contribuído, direta ou indiretamente, para a queda da aeronave.
Atualmente, a lei prevê que as análises e as conclusões das investigações não possam ser utilizadas como provas em processos judiciais e administrativos e que esse conteúdo só pode ser fornecido com autorização judicial nos casos permitidos por lei.
STF mantém caráter preventivo nas investigações
O advogado e especialista em Direito Constitucional, Matheus Costa, afirma que a ação, protocolada pelo Ministério Público Federal, questiona a limitação do uso de dados como prova na Justiça.
“O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos (Cenipa) é o responsável por apurar e investigar acidentes aeronáuticos. Entretanto, as provas colhidas pelo órgão não podem ser utilizadas pelo Ministério Público, Polícia ou em nenhum processo judicial, pois tudo colhido ali serve para prevenir acidentes, não para punir o que aconteceu.”
Ele explica ainda que essa visão é conservadora e contribui para a limitação do direito de defesa. “Quando se cria limites para a utilização de prova, dizendo que ela não pode ser usada para a investigação de crimes aeronáuticos, está se criando uma limitação ao exercício do direito de defesa, uma limitação ao contraditório e ao acesso à Justiça”, esclarece Matheus Costa.
No julgamento realizado pelo STF, prevaleceu o voto do ministro Nunes Marques, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5667, acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, André Mendonça, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, presidente do STF.
Para os ministros, as alterações seguiram parâmetros adotados em 193 países para garantir uma investigação precisa voltada para prevenir novos acidentes. Por essa razão, alguns critérios, como o sigilo da apuração e a prioridade do Sipaer na perícia da aeronave, são necessários para garantir a máxima qualidade da investigação.
O sigilo assegura, por exemplo, que depoimentos colhidos durante a apuração tragam provas que auxiliem nas conclusões, o que poderia não ocorrer se, na investigação da Aeronáutica, se buscasse uma análise de dolo ou culpa envolvendo o acidente.
Preferência deve ser dada a órgãos especializados em caso de acidentes
Matheus Costa pontua que os ministros consideraram que os órgãos especializados em aeronáutica devem ter preferência no processo investigativo, tendo em vista que as demais atuações de polícia podem até danificar provas.
“Eles entenderam que o Brasil é um país signatário de uma regra internacional. Portanto, o Cenipa e o Sipaer, órgãos que investigam acidentes aeronáuticos, têm como premissa evitar que o acidente se repita, considerando que são especialistas no assunto, e a interferência de outras autoridades pode prejudicar as provas por falta de conhecimento técnico”, pontua o advogado.
O Plenário do STF observou ainda que a apuração da Aeronáutica não impede a investigação de eventual responsabilidade criminal ou civil, e, caso identifique indícios de crime, o Sipaer deverá comunicar imediatamente às autoridades.
O advogado Matheus Costa explica que o objetivo dos ministros é evitar a autoincriminação. “Durante a colheita de provas, é normal que as pessoas assumam eventuais erros e apontem soluções para um erro já cometido. Portanto, isso pode ser interpretado como autoincriminação, e a própria Constituição veta isso”, conclui.
O ministro Flávio Dino foi o único a divergir parcialmente, votando para interpretar o dispositivo de forma a não haver precedência da investigação da Aeronáutica sobre a do Ministério Público, além de afastar a prioridade de acesso aos destroços pelo Sipaer.