O que o Brasil ganha com o tratado entre Mercosul e União Europeia?

Egito, Israel, Palestina e Singapura são os quatro países fora do continente americano com os quais o Mercosul mantém acordos de livre-comércio.

Se as negociações com a União Europeia, realizadas em Montevidéu, no Uruguai, forem concluídas, o bloco ampliará sua lista de parceiros comerciais em 27 nações de uma só vez.

Entenda como o acordo Mercosul-UE pode criar uma das maiores zonas de livre-comércio do mundo e impulsionar a economia brasileira com novos mercados |Foto: Reprodução/Camex

Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), os atuais acordos comerciais do Brasil garantem acesso preferencial a aproximadamente 8% do total das importações globais de bens. Com a parceria com a União Europeia, esse índice poderia atingir 37%, quase quintuplicando.

Esse acordo resultaria em uma das maiores zonas de livre-comércio do mundo, abrangendo cerca de 750 milhões de pessoas. Os benefícios dessa integração seriam compartilhados por todos os países integrantes dos blocos.

Os números refletem a expectativa do governo e do setor privado no Brasil: dados do IBGE indicam que, em 2023, cada R$ 1 bilhão em exportações para a União Europeia gerou 21,7 mil empregos, R$ 441,3 milhões em massa salarial e R$ 3,2 bilhões em produção.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) projeta que, até 2040, a implementação do acordo pode fazer o PIB brasileiro crescer cerca de US$ 9,3 bilhões (0,46%) e elevar os investimentos no país em 1,5%, em comparação com um cenário sem essa parceria.

Em 2023, o comércio entre Brasil e União Europeia movimentou cerca de US$ 91 bilhões, com exportações brasileiras alcançando US$ 46,3 bilhões e importações somando US$ 45,4 bilhões, resultando em um superávit de US$ 876 milhões na balança comercial brasileira.

Duas décadas de negociações

As tratativas para o acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia tiveram início em 1999, com o objetivo de reduzir ou eliminar tarifas de importação entre os blocos. O acordo foi assinado em 2019, durante o governo Bolsonaro (PL), mas ainda precisava de ajustes técnicos e aprovação pelos parlamentos.

Após quatro anos de estagnação, as negociações foram retomadas com a posse de Lula (PT), mas enfrentam avanços lentos devido a questões ambientais e resistências, como a do agronegócio francês. Apesar de ter ficado próximo de um desfecho em 2023, o tratado ainda não foi oficializado. Estudos apontam que ele pode trazer crescimento ao PIB brasileiro, além de fomentar investimentos e o comércio exterior.

Entusiasmo brasileiro versus resistência francesa

Em 2023, o governo brasileiro demonstrou otimismo em relação ao acordo.

“Minha intenção é assinar esse acordo ainda este ano”, declarou Lula em um evento recente.

Maurício Lyrio, principal negociador do Ministério das Relações Exteriores (MRE) sobre o tema, também manifestou confiança: “Vemos as negociações de forma positiva”, afirmou.

Conforme o governo brasileiro, os ajustes no texto foram concluídos, e os últimos pontos foram submetidos aos líderes do Mercosul e da União Europeia. Na prática, isso significa que a conclusão do acordo agora depende exclusivamente da vontade política dos blocos.

Contudo, o otimismo do Brasil contrasta com a oposição da França, um influente membro da União Europeia. O país, que há anos tenta barrar o avanço do tratado, reafirmou sua postura em 2024, com o presidente Macron declarando em Buenos Aires: “A França é contra esse acordo.”

A resistência francesa se deve, principalmente, à pressão de agricultores locais, preocupados com a concorrência de produtos do Mercosul, especialmente carne oriunda de Brasil, Argentina e Uruguai. Apesar de ser a segunda maior economia da União Europeia, a França não possui autoridade técnica para bloquear sozinha o acordo, que é conduzido pela Comissão Europeia.

“Se os franceses não quiserem o acordo, eles não têm mais voz. Quem decide é a Comissão Europeia”, rebateu Lula. Ainda assim, a França busca estratégias para atrasar as negociações.

A estratégia da “minoria qualificada”

Uma das táticas francesas é formar uma “minoria qualificada” no Conselho da União Europeia. Para isso, é necessário que quatro países, representando mais de 35% da população do bloco, rejeitem o acordo. Com o apoio da Polônia (104 milhões de habitantes somados), a França precisa aliar-se a mais três países para alcançar os 156 milhões necessários.

Embora a Comissão Europeia, sob a liderança de Ursula von der Leyen, seja favorável ao acordo, a aprovação final depende do Conselho da União Europeia, onde é exigido o apoio de 15 países (55%) que representem 65% da população. Caso a França consiga apoio suficiente, a Comissão enfrentará dificuldades para avançar, e o texto ainda precisará ser ratificado pelo Parlamento Europeu e pelos legislativos do Mercosul.

O protecionismo francês

Especialistas destacam que a oposição da França reflete a influência de seu setor agrícola, receoso quanto à concorrência de produtos do Mercosul. Liderado por Emmanuel Macron, esse lobby argumenta que o tratado pode ameaçar empregos e permitir a entrada de produtos fora dos padrões ambientais e sanitários da União Europeia.

Ainda assim, analistas avaliam que a França encontrará dificuldades para barrar o acordo sozinha e, por isso, busca alianças.

Regiane Bressan, professora consultada, acredita que, apesar das resistências, a assinatura do tratado é provável, especialmente com a proximidade da Cúpula do Mercosul.

A influência de Donald Trump

Outro fator que pode acelerar as negociações é a recente eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos. Especialistas apontam que suas políticas protecionistas podem motivar maior cooperação entre América do Sul e Europa.

“A primeira assinatura do acordo, em 2019, foi influenciada pela eleição de Trump. Agora, um novo mandato pode criar oportunidades para o avanço do tratado”, afirmou Cairo Junqueira.

Para Regiane Bressan, países europeus como Alemanha e Espanha enxergam o acordo com o Mercosul como estratégico diante das incertezas geopolíticas.

“Esses países buscam fortalecer a presença europeia na América do Sul em resposta ao protagonismo crescente de China e Rússia. No caso da Alemanha, o acordo é uma forma de preservar sua influência na região em um cenário global desafiador”, concluiu.

Leia também: Negociação entre Mercosul e UE foi concluída, diz chanceler do Uruguai

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