[anhembi_header_banner]

Falta de creches prejudica mães de favelas no mercado de trabalho, mostra estudo

A falta de acesso a creches públicas é uma realidade enfrentada por milhares de mães que vivem em favelas do Rio de Janeiro. Segundo um estudo do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), realizado entre 2022 e 2023, 61,8% das mulheres de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, não encontram creches ou escolas públicas para deixarem seus filhos enquanto trabalham. Esse cenário se repete em outras regiões, como o Complexo do Alemão, onde 32% das mães enfrentam a mesma dificuldade.

A ausência de vagas impacta diretamente a vida dessas mulheres, que se veem obrigadas a deixar o mercado de trabalho ou a comprometer parte da renda com creches particulares. Muitas delas dependem de programas sociais, como o Bolsa Família, para arcar com esses custos, o que reforça o ciclo de vulnerabilidade econômica.

Leia também: Mulheres jovens priorizam carreira e estabilidade financeira, aponta pesquisa

Atualmente, apenas 86,7% das crianças frequentam a pré-escola, e o índice de crianças até 3 anos matriculadas em creches é de apenas 33,9% | Foto: Reprodução/Canva
Atualmente, apenas 86,7% das crianças frequentam a pré-escola, e o índice de crianças até 3 anos matriculadas em creches é de apenas 33,9% | Foto: Reprodução/Canva

O dilema das mães trabalhadoras

Gisely de Aguiar, moradora de Jardim Gramacho e mãe de três crianças, relata que precisou tirar dinheiro do Bolsa Família para pagar uma escola particular para sua filha de quatro anos. Sem creche para o filho mais novo e sem suporte para a filha, ela não consegue trabalhar fora. “Eu gostaria de trabalhar, mas não tenho rede de apoio”, conta.

A pesquisa do Ibase revela que a falta de creches não apenas restringe a entrada das mulheres no mercado de trabalho, mas também compromete o desenvolvimento das crianças. O acesso à educação infantil é um direito garantido pela Constituição Federal, mas, na prática, muitas famílias seguem desassistidas.

Impacto na educação e no futuro das crianças

Além de afetar as mães, a escassez de creches e escolas tem reflexos diretos na trajetória educacional das crianças. Segundo o levantamento, 38,3% das mulheres das favelas da Grande Tijuca não completaram o ensino fundamental, e apenas 2% conseguiram concluir o ensino superior. No Complexo do Alemão, esse índice é um pouco maior, mas ainda distante da média nacional de 20,7%.

A diretora-executiva do Ibase, Rita Corrêa Brandão, explica que a precarização do trabalho feminino se intensifica com a falta de creches. “As mulheres que trabalham precisam pagar creches particulares, comprometendo uma renda que já é baixa. Já as que não conseguem pagar ficam impossibilitadas de trabalhar, tendo seu direito ao emprego violado”, afirma.

Déficit de vagas e desafios estruturais

O problema da falta de creches vai além dos números apresentados na pesquisa. De acordo com Samantha Guedes, coordenadora geral do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro (Sepe), o déficit pode ser ainda maior. “Muitos responsáveis nem entram na lista de espera porque sabem que não vão conseguir uma vaga. O número real de crianças sem atendimento é muito maior do que os dados oficiais mostram”, destaca.

Além disso, o horário de funcionamento das creches disponíveis não atende às necessidades das mães que trabalham. Em muitos casos, as unidades funcionam das 8h às 15h30, um período insuficiente para quem precisa cumprir uma jornada de trabalho completa. Isso obriga muitas mães a recorrerem a redes de apoio informais, como deixar os filhos com parentes ou vizinhos, comprometendo a segurança e o desenvolvimento das crianças.

Um problema que perpetua desigualdades

A desigualdade no acesso à educação infantil não afeta apenas a rotina das famílias, mas tem consequências a longo prazo. Beatriz Abuchaim, gerente de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, explica que crianças mais pobres enfrentam mais dificuldades para ingressar na educação infantil do que as de famílias mais ricas.

“A falta de acesso à creche impacta diretamente o desenvolvimento das crianças. Muitos lares em situação de vulnerabilidade não têm livros ou brinquedos adequados para estimular o aprendizado. Isso reforça as desigualdades e dificulta a mobilidade social”, alerta Beatriz.

Estudos mostram que crianças que frequentam escolas de qualidade nos primeiros anos de vida têm maior chance de concluir os estudos, evitar a evasão escolar e conquistar melhores oportunidades de emprego na vida adulta. Além disso, há uma redução nos riscos de envolvimento com criminalidade e problemas de saúde mental.

O que pode ser feito?

O Plano Nacional de Educação (PNE) previa que, até 2016, todas as crianças de 4 e 5 anos deveriam estar matriculadas na pré-escola, mas a meta ainda não foi atingida. Atualmente, apenas 86,7% das crianças frequentam a pré-escola, e o índice de crianças até 3 anos matriculadas em creches é de apenas 33,9%.

A realidade é ainda mais dura para as famílias de baixa renda. Segundo o IBGE, 2,3 milhões de crianças de até 3 anos não estão em creches por dificuldades de acesso, sendo que as famílias mais pobres enfrentam um índice de exclusão quatro vezes maior do que as mais ricas.

Para reverter esse cenário, é fundamental que o poder público amplie a oferta de creches e garanta vagas para todas as crianças que necessitam. Além disso, políticas públicas voltadas para a educação infantil podem ajudar a romper o ciclo intergeracional de pobreza, garantindo que mães tenham condições de trabalhar sem comprometer o futuro de seus filhos.

Sem investimento nessa área, a desigualdade seguirá afetando as mulheres e suas famílias, dificultando o desenvolvimento social e econômico do país.

*Entrevistas concedidas a Agência Brasil

Atualize-se.
Receba Nossa Newsletter Semanal